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14º Abrascão: referências da Saúde Coletiva discutem a importância da pesquisa para políticas de saúde no penúltimo Grande Debate 

O penúltimo Grande Debate do 14º Abrascão reuniu a ex-ministra da saúde e pesquisadora, Nísia Trindade Lima; o professor e criador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/USP), Carlos Monteiro; e o pesquisador e idealizador do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a Saúde (Cidacs) da Fiocruz Bahia, Maurício Barreto. A conversa foi mediada pelo vice-presidente da Abrasco, Reinaldo Guimarães, e ocupou a plenária principal do evento ao fim da tarde desta terça-feira (3). O tema abordado foi “Novas perspectivas de estudos e intervenções em Saúde Coletiva”. 

Antes da atividade ter início, o presidente da Abrasco, Rômulo Paes de Sousa, fez um agradecimento público ao trabalho desenvolvido pelas duas revistas científicas editadas pela Associação: a Ciência & Saúde Coletiva (C&S) e a Revista Brasileira de Epidemiologia (Epidemio). “A ciência é uma fazer coletivo, também é coletivo o processo de efetivação da etapa final de um experimento: a disseminação validada de seus resultados. Em nome da Diretoria da Abrasco, me coube a honra de fazer, neste momento, o agradecimento aos dois projetos editoriais que construímos. O nosso muito obrigado para Cecília Minayo (C&S), Márcia Furquim (Epidemio), Moisés Goldbaum (Epidemio) e Juraci Almeida Cesar (Epidemio)”, registrou. 

O pesquisador e vice-presidente da Abrasco, Reinaldo Guimarães, deu início ao Grande Debate explicando o objetivo do encontro – realizar uma interface entre a pesquisa em Saúde Coletiva e seu desdobramento em políticas públicas. “Abordaremos aqui o trânsito entre o esforço do conhecimento científico e a construção de política pública derivada desse conhecimento. Além disso, falar também das condições de gestão que tornem esse trânsito possível e viável”, detalhou. 

Para tanto, o painel foi pensado com dois pesquisadores que trouxeram inovações neste sentido. Carlos Monteiro, que modificou os parâmetros e o olhar sobre os padrões nutricionais; e Maurício Barreto, que através de suas pesquisas e métodos inovadores, trouxe uma abordagem com outra perspectiva para os determinantes sociais da saúde.

No sentido contrário, para abordar as condições de gestão que propiciam essa conexão, Nísia Trindade Lima detalhou a sua experiência enquanto gestora. Ao presidir a Fiocruz, a pesquisadora reposicionou a Fundação, a aproximou da sociedade e foi figura-chave no enfrentamento da Pandemia de Covid-19. Além disso, ao ser titular da pasta da Saúde, Nísia contribuiu com a reconstrução do Ministério da Saúde e a implementação de diversas políticas. 

Maurício Barreto inaugurou o debate e abordou o conceito de Epidemiologia – uma das áreas da Saúde Coletiva, com enfoque no estudo do processo saúde-doença nas populações e na aplicação de conhecimentos na resolução ou prevenção de problemas de saúde. Barreto destacou ser fundamental que as pesquisas no campo considerem as desigualdades, que atravessam a saúde num país historicamente desigual como o Brasil. 

Nesse processo de engajar epidemiologistas nas questões sociais, o pesquisador destacou a importância da Abrasco, que conseguiu agregar diferentes atores do movimento da Reforma Sanitária. Barreto apresentou diversas pesquisas e iniciativas dos grupos que coordena, como a coorte do Cidacs – um estudo que observa as condições de saúde ao longo do tempo de mais de 140 milhões de brasileiros. 

O professor frisou a importância das políticas públicas como mecanismos de transformação das condições de saúde da população brasileira. “Esse conjunto de estudos hoje mostra que a importância do sistema único de saúde precisa ser compatibilizada com processos de transformação da sociedade[…]A determinação social da saúde não é uma abstração, é uma realidade concreta formadora das condições de saúde da população”, registrou.

Na sequência, o professor Carlos Monteiro fez um resumo da sua trajetória acadêmica de 50 anos e enumerou iniciativas de pesquisa que propiciaram e auxiliaram na elaboração de políticas públicas de saúde. As contribuições do pesquisador e do seu grupo vão desde os desenhos metodológicos de estudos que permitiram mapear e identificar a desnutrição em crianças no Brasil a documentos, classificações e guias que permitiram uma melhora na qualidade da alimentação dos brasileiros. 

Entre as contribuições estão a criação da pesquisa da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), de 2006, e a classificação Nova de alimentos, desenvolvida entre 2009 e 2014. A inovação dessa proposta consiste em considerar os alimentos a partir de como e por que são submetidos a processamentos industriais antes de serem adquiridos ou consumidos. Iniciativa essa que introduziu a noção de alimento “ultraprocessado”, que ganharia repercussão internacional. 

“Pesquisadores do mundo inteiro passaram a achar que isso era uma boa ideia e passaram a testar essas hipóteses em suas coortes (estudos). Hoje, temos mais de dois artigos publicados por dia sobre ultraprocessados. Esse novo paradigma inspirou a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira (2014) e a qualificação da assistência à saúde do ponto de vista da alimentação”, contou. 

A abrasquiana Nísia Trindade Lima encerrou o Grande Debate com uma apresentação ilustrando o caminho da pesquisa e das evidências até a construção de uma política pública, bem como os processos de gestão para implementar essas políticas. Além do protagonismo da comunidade científica, a ex-presidente da Fiocruz alertou para o processo de desmantelamento das políticas públicas e enfatizou a importância do investimento em ciência, tecnologia e inovação como indutor do desenvolvimento e melhora das condições de vida e saúde da população. Trindade Lima ainda abordou a crise de desconfiança que atinge a democracia e a ciência, considerando problemas como a circulação de desinformação. 

Pensando nesse cenário, durante a sua gestão no Ministério da Saúde, Nísia retomou o Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS) com enfoque nos estudos transdisciplinares em Saúde Coletiva e na produção de evidências. Além disso, entre os feitos da sua gestão está a melhora das coberturas vacinais, antes em franco declínio. A sanitarista concluiu a sua fala chamando a atenção para a relação entre ciência e democracia e o potencial dos encontros nas construções e políticas em saúde. 

“Por fim, queria dizer que pensar essas pesquisas, tão exemplares na sua relação com as políticas públicas, parte tanto da formulação, avaliação permanente e construção entre ciência e democracia. Democracia não é só a comunicação tradicional da ciência, essa perspectiva fortalece a agenda de pesquisa e as próprias perguntas de pesquisa. Uma mudança no modo de fazer ciência precisa estar na nossa pauta, não desacreditando-a, mas fortalecendo-a no que ela tem potência: o encontro, como esse que a Abrasco nos permite fazer”, enunciou.

Veja aqui o Grande Debate na íntegra: 

O 14º Abrascão continua até hoje (3) no CICB, em Brasília!

14° Abrascão em Brasília!
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