Em 21 de dezembro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.759/2023, que declara como feriado nacional o dia 20 de novembro. É o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Segundo o autor da proposta, o Senador Randolfe Rodrigues, a decretação do feriado objetiva chamar a atenção para a luta antirracista e a necessidade de reflexão sobre a memória de luta e resistência do povo negro no Brasil. 

O debate sobre ações afirmativas na área da saúde e a reserva de vagas nas universidades, em cursos de graduação, pós-graduação e residência, entre outras modalidades de formação universitária e nos concursos públicos, bem como a reorientação dos modelos pedagógicos, incluindo a revisão curricular e de referenciais teóricos e a curricularização da extensão, são algumas das estratégias fundamentais para corrigir disparidades históricas que persistem em nossa sociedade, sustentadas cotidianamente pelo racismo.  A baixa representação de pessoas negras, indígenas, quilombolas, LBGTQIAPN+ na educação formal em saúde é resultante de uma persistente lógica discriminatória das instituições públicas e privadas, que ignora demandas e necessidades de cuidados à saúde dessas populações. 

Enquanto as discriminações históricas persistirem no acesso à educação, as desigualdades por raça/cor/etnia não têm como ser efetivamente combatidas. Segundo dados da Demografia Médica do Brasil de 2023, em cada 100 médicos, apenas três se declaram pretos e 24 são pardos, enquanto 70 se declaram brancos. Médicos indígenas, menos ainda. 

A residência médica é considerada o padrão ouro da formação profissional e a sequência que deveria ser natural ao final do processo de formação na graduação.  Porém, infelizmente, atualmente muitos médicos e médicas, negros e negras, “optam” por não fazer a residência, seja pela falta de vagas, ou pela necessidade de ingressar no mundo do trabalho, especialmente as/os que vêm de famílias mais vulnerabilizadas. Diante deste cenário, nada mais justo e equânime do que estender aos que buscam a residência as mesmas condições de ingresso já oferecidas à graduação. Além disso, a diversidade de profissionais atuando nos diferentes serviços de saúde é fundamental para o enfrentamento do racismo institucional no SUS. 

Apesar dos dados evidenciarem a necessidade das políticas de ações afirmativas, recentemente organizações médicas decidiram questionar judicialmente a realização de cotas no Exame Nacional de Residência (ENARE), atribuindo a estas o que chamam de “discriminação reversa” numa visão completamente equivocada do ponto de vista jurídico-político.

A ABRASCO e diversas organizações da sociedade civil se manifestaram apontando que as ações afirmativas nas instituições de ensino e no serviço público são fundamentais à construção de uma sociedade justa e igualitária ao buscar incluir grupos que têm sido vulnerabilizados ao longo de séculos. Infelizmente, as manifestações e os impactos do racismo, sexismo, capacitismo, etarismo e outras formas de discriminação não se encerram ao se receber o diploma de medicina. Ao adotar uma retórica de “meritocracia” e de “qualidade” de formação em contraposição às cotas, as entidades médicas ignoram as necessidades da população, a importância do respeito e compartilhamento de ciências entre povos, e evidenciam a defesa da manutenção de privilégios.

As políticas de ação afirmativa são, verdadeiramente, fruto do debate amplo e democrático de toda a sociedade brasileira ao longo de décadas, são coerentes com medidas de reparação aos povos negros, indígenas, quilombolas, LGBTQIAPN+.  Estes contingentes populacionais estiveram, ao longo da história, excluídos de políticas compensatórias das inúmeras e graves discriminações sofridas.

Em um país onde a distribuição de profissionais de saúde é altamente heterogênea e três quartos de todas as vagas em cursos de medicina estão concentradas em menos de meia dúzia de conglomerados privados de ensino, portanto muito distantes do acesso da maioria da população, a garantia das ações afirmativas na área da saúde deveria ser uma questão de honestidade intelectual e política das pessoas e entidades que acreditam em um SUS equânime e justo.

As ações afirmativas representam hoje uma revolução no campo da educação universitária, especialmente na área da saúde. Não só reservam vagas a pessoas vinculadas às ações afirmativas, mas também ampliam possibilidades de investimento na educação em níveis nunca antes experimentados no ensino superior do país. Do ponto de vista legal, o STF já declarou a constitucionalidade das ações afirmativas e a utilização de reserva de vagas por critério étnico-racial na seleção para ingresso no ensino superior público.

Neste 20 de novembro de 2024, a ABRASCO, por meio do GT Racismo e Saúde, se junta aos movimentos nacionais pela construção de uma saúde justa, solidária e equânime; saúda a todos e todas que participam da luta antirracista e se comprometem a continuar avançando na defesa do SUS público, gratuito e de qualidade, no qual todas as atrizes e todos os atores do sistema sejam justamente tratadas/os e representadas/os.  

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