Os jornalistas Renato Grandelle e Helena Borges do jornal O Globo publicaram nesta semana a reportagem Governo permite 31 novos agrotóxicos e chega ao ritmo recorde de liberações. Desde o início do ano foram publicados 197 novos registros, dos quais 26% não são permitidos na União Europeia, diz a chamada da reportagem que citou o Dossiê Abrasco: impacto dos agrotóxicos na saúde e conversou com o pesquisador Guilherme Franco Netto, coordenado do GT Saúde e Ambiente da Associação. Confira:
O Ministério da Agricultura (Mapa) divulgou esta terça-feira (21) a liberação de 31 novos agrotóxicos para serem usados em lavouras brasileiras e, com isso, estabeleceu um recorde: nunca tantas permissões foram concedidas tão rapidamente no Brasil.
Ao todo, já foram publicados 197 novos registros neste ano, dos quais 28 são referentes a decisões tomadas durante a transição de governos, em dezembro. Dos novos agrotóxicos que chegam ao mercado, 26% não são permitidos na União Europeia.
Para um agrotóxico ser liberado no país, é preciso que ele passe pelo crivo do Ministério da Agricultura (responsável pela ciência agrônoma), Ibama (que estuda o impacto ambiental) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária ( Anvisa , que analisa os impactos à saúde).
A Anvisa explica que todos os produtos liberados pelo Mapa já foram testados pela agência, apesar de alguns estarem sobre reavaliação. A autarquia também afirma que mudou a separação das filas de pedidos de acordo com sua complexidade e tipo de análise.
“Antes de 2015 todos processos de agrotóxicos entravam em uma fila única”, conta a Anvisa , em nota: “A divisão da fila de acordo com o tipo de produto permitiu dar mais racionalidade ao tratamento pela Agência, especialmente na avaliação de risco”.
O Ministério da Agricultura afirma, por meio de sua assessoria, que “não se espera ganho de produtividade” com os novos produtos liberados, mas que quer “aumentar a concorrência no mercado de agrotóxicos “. Disse ainda que há a previsão de novos pedididos de registro neste ano.
— Os novos registros foram rapidamente liberados por Ibama e Anvisa porque são novas formulações de substâncias já conhecidas. Trata-se de uma promessa de campanha (de Jair Bolsonaro ). A indústria se queixava que a entrada desses produtos no mercado exigia um processo muito longo, que durava até oito anos — afirma Alan Tygel, membro da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Guilherme Franco Netto, especialista de Saúde, Ambiente e Sustentabilidade da Fiocruz, explica que as novas combinações podem ser até mais perigosas do que os compostos separados, que já são conhecidos.
— Muitos contêm princípios ativos autorizados para uso, mas suas fórmulas combinam produtos químicos cujo risco e periculosidade toxicológica não foram devidamente avaliados. Portanto, não se sabe o impacto da liberação dessas centenas de produtos ao meio ambiente e à saúde da população.
Novas versões do agrotóxico mais usado no Brasil
Três dos 31 registros mais recentes são de agrotóxicos que usam como base o glifosato , substância classificada pela OMS como potencial provocadora de câncer . Estudos recentes comprovaram a relação entre a substância e linfoma Não-Hodgkin.
O glifosato está sob análise na União Europeia. Na França, o produto mais popular à base de glifosato está completamente proibido e versões genéricas têm até 2021 para sair do mercado. Nos Estados Unidos há milhares de ações judiciais movidas por fazendeiros que desenvolveram câncer e apresentam laudos periciais médicos comprovando a relação entre a doença e o contato com o glifosato .
No Brasil, atualmente a Anvisa possui três agrotóxicos em reavaliação: Glifosato , Abamectina e Tiram. Para o Glifosato , a agência abriu uma consulta pública para fazer a reavaliação toxicológica. Até o dia 6 de junho é possível cadastrar contribuições no site da agência.
A agência afirma que estudos científicos e dados analisados apontam que “o produto não se enquadra nos critérios proibitivos previstos na legislação” porque “não foi classificado como mutagênico, carcinogênico, tóxico para a reprodução, teratogênico (que causa malformação fetal), entre outros”. No entanto, também afirma que “o glifosato apresenta maior risco para os trabalhadores que atuam em lavouras e para as pessoas que vivem próximas a estas áreas”.
O produto mais recentemente reavaliado pela Anvisa foi o “2,4D” que permaneceu no mercado com algumas restrições. Para a Abamectina e o Tiram a conclusão do processo de reavaliação deve acontecer até o segundo semestre de 2019, segundo a autarquia.
O GLOBO procurou as três empresas que obtiveram os novos registros de glifosato. A Ourofino Agrociência afirmou estar trazendo um novo fornecedor e que seu produto não tem diferenças em relação aos demais disponíveis no mercado. Sobre os danos à saúde e a literatura científica que liga a substância ao desenvolvimento de câncer , a empresa afirma que “segue rigorosamente as determinações da Anvisa”.
A Nortox afirmou por meio de sua assessoria de imprensa que “cumpre todo o regramento a fim de garantir não só a qualidade de seus produtos, como a segurança do meio ambiente e daqueles que o utilizam seguindo as recomendações da bula”. A empresa também afirma que “a molécula Glifosato acabou de passar pelo processo de Reavaliação Toxicológica pelos órgãos competentes e que, em seu parecer final, não restou provada qualquer evidência científica de que cause danos à saúde quando utilizado da forma adequada”. A própria Anvisa, no entanto, afirma que não ainda não terminou de fazer a reavaliação toxicológica. A América Latina Tecnologia Agrícola Ltda não respondeu.
Intoxicações por agrotóxico dobraram nos últimos dez anos
Segundo levantamento do GLOBO, realizado com base em dados do Ministério da Saúde , as notificações por intoxicação por agrotóxico dobraram desde 2009, passando de 7.001 para 14.664 no ano passado. No entanto, segundo a Organização Mundial da Saúde , estima-se que este índice pode ser até 50 vezes maior.
Se a indústria pedia pressa ao governo para liberar a chegada de tecnologia avançada, o nível elevado de toxicidade dos agrotóxicos liberados na terça-feira (21) derruba o argumento. Um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) alertou que, mesmo que alguns dos efeitos de intoxicação por agrotóxicos sejam classificados como medianos ou pouco tóxicos, não se devem perder de vista os “efeitos crônicos que podem ocorrer meses, anos ou até décadas após a exposição, manifestando-se em doenças congênitas” como câncer , malformação congênita, distúrbios endócrinos, neurológicos e mentais.