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3º CPPGS: Riscos da relação com setor privado na saúde são discutidos em debate

O setor privado é perigoso para o Sistema Único de Saúde (SUS)? Em um debate marcado por discussões em torno do conceito de cobertura universal de saúde, a agenda do setor privado no Brasil e o contexto do direito à saúde nas Américas, Carlos Rosales (OPAS) e Lígia Bahia (UFRJ) se apresentaram no segundo dia do 3º Congresso de Política, Planejamento e Gestão em Saúde (3º CPPGS) da Abrasco – Associação Brasileira de Saúde Coletiva, em Natal (RN). Com o título “Perspectivas da universalidade no acesso à Saúde: direito social ou cobertura de procedimentos e serviços?”, o debate foi coordenado por Eduardo Levcovitz (IMS/UERJ), no Centro de Convenções de Natal, que sedia o evento até o dia 4 de maio.

+ Leia aqui a matéria na publicação original, no portal do OAPS/ISC/UFBA

Representante da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), Carlos Rosales fez um panorama das ameaças, avanços e desafios na área da saúde na região das Américas, que abarca como aspectos positivos a consolidação do enfoque do direito à saúde na gestão pública, o auge do desenvolvimento de políticas sociais, o fortalecimento da Atenção Primária como estratégia central de desenvolvimento dos sistemas de saúde e os processos de reforma dos sistemas de saúde com enfoque nos determinantes e no aumento do acesso. “Nas região das Américas, 19 países reconhecem explicitamente em suas constituições a saúde como um direito das pessoas e 30 países a reconhecem por adesão a pactos internacionais. […] A saúde é um direito? Por que a saúde é um direito? Como garantir esse direito às pessoas em oposição à visão da saúde como mercadoria?”, questionou. Por outro lado, Rosales apontou fragilidades, como o fim de uma década de implementação de políticas sociais na região, os questionamentos sobre a transparência dos processos de gestão pública e a globalização das decisões de saúde pública. Para o pesquisador, o principal desafio é pensar caminhos para garantir o direito à saúde na perspectiva da sustentabilidade, com planejamento, políticas e financiamento adequado.

Setor privado é perigoso e precisa ser objeto de estudos: “É ingenuidade supor que o único adversário do SUS é Ricardo Barros [ministro da Saúde]. São esses grandes conglomerados, que não têm nada contra o SUS desde que ele permaneça como está”. Com uma fala voltada para a perigosa relação entre os setores público e privado na saúde, Lígia Bahia (UFRJ), que integra o Conselho Consultivo do Observatório, foi aplaudida de pé no segundo debate do 3º CPPGS. A apresentação “Denotações e conotações para um debate sobre perspectivas” abordou diferentes ângulos da relação entre público e privado que, segundo a pesquisadora, só recentemente começou a aparecer na literatura sobre cobertura universal, um “debate incontornável” para os sanitaristas.

Discutindo o conceito de cobertura universal, que em 2013 gerou controvérsias ao ser recomendado como estratégia orientadora dos sistemas de saúde pela Organização Mundial de Saúde (OMS), Ligia apontou a contradição entre considerar apenas a cobertura – caso em que o atual contexto brasileiro seria um exemplo a ser seguido, com taxa de 95% –, alertando que ter cobertura não é o mesmo que responder aos problemas e necessidades de saúde, que envolvem fatores relacionados à realidade social do país.

Ao apontar questões que precisam ser analisadas em estudos, a sanitarista chamou a atenção para a agenda praticada pelo setor de planos de saúde, que tem contratado lideranças da área de medicina da família, incluído equipes de atenção primária em suas redes de assistência e inclusive financiou o último congresso internacional da área. Para a pesquisadora, é importante considerar que ao inserir a área de atenção primária e saúde da família em suas redes, o setor privado não integra a associação causal entre saúde e desigualdade e a imprescindível necessidade de políticas voltadas para a redução das desigualdades. “Não é absurdo juntar público com privado para propiciar assistência médica, o problema é se o conceito de saúde é esse. Sabemos que para haver melhor saúde tem que haver redução de desigualdades”, explicitou, advertindo que países com sistemas universais têm recomendado a países de renda média/baixa a adoção de sistemas de cobertura universal. Ligia destacou a posição do Brasil nesse debate, afirmando que o conceito de saúde ampliado foi adotado no país e que é necessário lutar por direitos sociais. “Grandes conquistas estão relacionadas ao questionamento de posições conservadoras […] os paradoxos do SUS são complexos e precisam ser melhor interpretados e analisados, mas esse SUS ficou de pé, e é consenso, ainda que tenha diferentes conotações”.

Para Ligia, o setor privado é perigoso para o país e tem se movimentado para acelerar a expansão e concentração de capital no setor saúde, em um quadro que ameaça o SUS com renúncias fiscais e dívidas tributárias sendo ignoradas nos últimos governos, além do posicionamento do titular da pasta da Saúde. “O Ricardo Barros foi a primeira autoridade pública campeã de ‘pioridade’. Um governo péssimo, com ministros péssimos, e ele conseguiu esse título, é impressionante. Não foi à toa porque ele falou muito mal do SUS” [leia mais aqui]. A sanitarista concluiu afirmando que a crise tem gerado contradições também para o setor privado e que é preciso militar e estudar essa relação. “Ou se desprivatiza o sistema de saúde ou não tem sistema de saúde universal”, finalizou.

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