O coronavírus é uma grande incógnita: o mundo vê uma nova doença se espalhar, sem entender ainda seus efeitos, as sequelas, os métodos de prevenção e as melhores formas de tratamento. Os contágios e óbitos aumentam, diariamente, de norte a sul. O imediatismo dos fatos faz com que pesquisadores, de todo o mundo, reúnam esforços para produzirem testes, estatísticas, previsões, equipamentos, experiências e dados necessários para entender e conter a pandemia. O tempo da ciência corre para acompanhar o tempo da história. Os epidemiologistas Cesar Victora, Ligia Kerr e Claudio Maierovitch, coordenados por Gulnar Azevedo, presidente da Abrasco, estiveram reunidos virtualmente nesta quinta-feira (9/4), na Ágora Abrasco, para discutirem “Pandemia da Covid-19: desafios para a epidemiologia”. 

A presidente da Abrasco abriu o espaço virtual, saudou os colegas e afirmou que tem orgulho da epidemiologia brasileira: “O campo sempre teve um vínculo direto com a saúde pública, e tenta entender os problemas sociais e contribuir com a diminuição das desigualdades em nosso país”.

A pandemia no Brasil e no mundo

Cláudio Maierovitch, pesquisador da Fiocruz Brasília, abordou o avanço da pandemia no mundo. Maierovitch explicou que na China, onde a doença se manifestou primeiro, as autoridades adotaram medidas bastante rígidas, de paralisação das atividades econômicas e contenção das áreas afetadas – assim que identificaram a transmissibilidade e letalidade da síndrome respiratória. Por isso, conseguiram controlar a pandemia antes que ela se espalhasse por todo o país. A letalidade no país asiático é de aproximadamente 4%. Já alguns países da Europa, como Itália e Reino Unido, enfrentaram momentos de indecisão em relação a qual caminho tomar – e apresentam índices de letalidade muito maiores (12,7% na Itália e 11,7% no Reino Unido).

No Brasil, não houve de imediato medidas de contenção – como interrupção dos transportes aéreos e terrestres – das primeiras áreas afetadas (cidades com maior conexão internacional, como São Paulo e Rio de Janeiro) e já há casos confirmados em todas as unidades da federação. O pesquisador teme que a curva acelere mais agressivamente quando atingir as pessoas mais vulnerabilizadas: “Aqui, os primeiros contágios foram de pessoas que viajaram ao exterior, portanto, de classes sociais mais abastadas. É uma epidemia que começou na ‘cobertura’ do prédio. Ainda não chegou ao térreo, nem ao subsolo, mas é a isso que temos que prestar atenção. Não só vamos entrar em fase de transmissão rápida como temos um fator multiplicador, considerando as condições de vida das populações mais pobres nas localidades aonde a doença começa a chegar. Ainda que tenha atingido todos os estados, ainda não aconteceu de maneira quantitativamente importante em algumas regiões“, afirmou.

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Pesquisadores da UFPel iniciam inquérito domiciliar 

Cesar Victora, “sócio-fundador” da Abrasco, como ele próprio se definiu, é pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e participa do estudo articulado pela universidade com o governo do Rio Grande do Sul (RS), e também com o governo federal, para fazer um “retrato” da progressão da epidemia. A pesquisa começará no RS, nesta semana, e depois será replicada em 133 municípios brasileiros de médio e grande porte, e pretende gerar dados para ajudar em questões importantes como quando e como acabar o isolamento social. Segundo Victora, será uma contribuição inédita para “fortalecer os dados que nós, epidemiologistas, precisamos para subsidiar as políticas de saúde e controlar a epidemia”.

O método escolhido para entender todo o panorama da doença – desde os óbitos, na ponta do iceberg, até as pessoas infectadas e assintomáticas, que são maioria nas estatísticas -, é um inquérito populacional domiciliar. Pesquisadores visitarão residências e realizarão testes rápidos em indivíduos, além de um questionário: “Em cada cidade, escolhemos 50 setores censitários, e em cada um destes setores escolhemos dez domicílios. Neste domicílio, escolheremos um indivíduo para ser testado. Esse teste demora 15 minutos, e aí fazemos um questionário. Se der positivo, testamos os demais residentes, se der negativo, vamos para a próxima casa. A coleta de dados vai durar dois dias, porque queremos uma pesquisa em tempo real. Na semana que vem já teremos os resultados. Essa rapidez é essencial para entender a epidemia”, explicou o epidemiologista.

A pandemia e as desigualdades

A fala de Ligia Kerr, integrante da Comissão de Epidemiologia da Abrasco, presidente do 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia, e professora da Universidade Federal do Ceará, abordou a necessidade dos cientistas olharem para esta pandemia considerando sempre as desigualdades. Assim como Maierovitch, Kerr pontuo que a epidemia entrou no país através de pessoas de classes sociais mais altas, mas que será mais perigosa para os trabalhadores na base da pirâmide socioeconômica: “Embora  a gente não esteja acostumado com uma epidemia entre ‘bacanas’, sabemos que a pobreza e a desigualdade estão profundamente interligadas com as doenças infecciosas.É importante que a gente vincule os Determinantes Sociais da Saúde à Covid-19”.

A professora também considerou que a população precisa enxergar o fenômeno como um evento que reflete a maneira como os seres humanos estão vivendo, já que 60% de todas as doenças infecciosas emergentes nos seres humanos são zoonoses, e estão diretamente ligadas à destruição dos ecossistemas: “Se continuarmos a explorar e destruir nossos recursos naturais, outras pandemias virão, e podem ser mais cruéis que este coronavírus”, finalizou.

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