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 POSICIONAMENTO ABRASCO 

A Covid-19 e a situação alimentar entre os povos indígenas: recomendações para o enfrentamento da pandemia

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO – e a Associação Brasileira de Antropologia – ABA – apresentam documento com uma série de recomendações sobre a situação alimentar dos povos indígenas diante da pandemia de Covid-19. Segundo o documento, a situação alimentar e nutricional já é bastante desfavorável e pode ser agravada diante das necessárias medidas de isolamento. Nesse sentido, apontam que as ações “devem garantir o acesso de forma permanente e estável a alimentos culturalmente adequados e saudáveis”. As medidas vão desde a criação de comitês de crise distrital nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) até a distribuição de cestas básicas, além de solicitar a implementação das medidas indicadas pelo Ministério Público Federal com a urgente apresentação de um plano de contingência para conter a infecção por coronavírus e garantir a segurança alimentar dos povos indígenas.

Confira a nota:

A COVID-19 E A SITUAÇÃO ALIMENTAR ENTRE POVOS INDÍGENAS: RECOMENDAÇÕES PARA O ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA

A pandemia do COVID-19 junto aos povos indígenas traz preocupações relativas à sua atual situação alimentar e nutricional, que já é amplamente desfavorável . Trata-se de um contexto de grande vulnerabilidade social, iniquidades e violações de direitos que historicamente afetam diretamente o perfil alimentar e nutricional desses povos. As necessárias medidas de isolamento social para controle da transmissão podem agravar ainda mais este quadro1.

Desde os primeiros alertas da disseminação do SARS-CoV-2 em território nacional, diversas comunidades e organizações indígenas têm iniciado um isolamento voluntário e a redução da circulação de pessoas das aldeias para os centros urbanos (#ficanaaldeia). A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) têm recomendado, como medidas de contenção da transmissão do vírus, a limitação da entrada de não-indígenas nos territórios e a diminuição do trânsito aldeia -cidade. Entretanto, muitas comunidades indígenas, dependem de atividades econômicas e/ou compra de produtos nas cidades para garantir sua alimentação. Ademais, o acesso aos recursos de programas de transferência de renda também é relevante para muitas famílias, mas seu acesso depende da ida aos centros urbanos, pois a acessibilidade aos meios de comunicação digital territórios indígenas é baixa.

Assim, o isolamento voluntário dos povos indígenas tem sido implementado, mas gera diversas preocupações quanto a segurança alimentar e nutricional, principalmente naqueles contextos em que a produção de alimentos é precária ou insuficiente. A maior parte da população indígena do país hoje vive em aldeias, cujo acesso à alimentação varia entre a produção local de alimentos e a aquisição comercial nos centros urbanos.Em ambos os casos, a pandemia traz ameaças concretas à segurança alimentar e nutricional.

Diante dessas questões, a FUNAI, diversas prefeituras e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos anunciam a distribuição de cestas básicas, havendo ainda a inclusão dos indígenas nas medidas de transferência de renda emergenciais. Essas medidas são fundamentais nesse contexto de urgência, mas também geram preocupações seja pela falta de clareza dos procedimentos para evitar a transmissão do vírus nesses processos, seja porque estimulam a ida dos indígenas aos centros urbanos, e, portanto, os colocando em risco de contaminação.

Entendemos que as ações de enfrentamento da COVID-19 devem garantir o acesso de forma permanente e estável a alimentos culturalmente adequados e saudáveis. Assim, propomos algumas medidas a serem implementadas em caráter emergencial, adaptáveis à realidade de cada local:

1) Os comitês de crise distrital nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) (Portaria Sesai 36/2020) e de comitês de crise municipais (e estaduais, onde for possível), devem envolver representantes da sociedade civil e organizações indígenas, e, além das ações de proteção e promoção da saúde em relação à COVID-19, devem coordenar as ações relativas à segurança alimentar da população indígena sob sua jurisdição. Os comitês municipais devem incluir representantes da população indígena residente nas cidades.

2) Monitoramento contínuo do acesso a alimentos produzidos pelas comunidades nas Terras Indígenas. A produção alimentar indígena local usualmente exige trabalho em caráter quase cotidiano, e incluem a abertura de roças, o plantio e a colheita, bem como as atividades de coleta, caça e pesca. Em um cenário epidêmico como o da COVID 19, há uma chance maior de muitas pessoas adoecerem ao mesmo tempo, inviabilizando a produção alimentar indígena. Nesse sentido, o papel da vigilância alimentar e nutricional é de promoção de ações de enfrentamento para que não ocorram agravos de saúde e identificação de situações que necessitem de intervenção.

3) Atenção às condições de alimentação e nutrição de indígenas não aldeados (indígenas que vivem em contextos urbanos). Defendemos que os indígenas em contexto urbano também devem ter acesso às políticas indigenistas, seja por terem dificuldades em acessar as diversas políticas públicas e sociais, pelas suas diversas vulnerabilidades e por sofrerem preconceitos e discriminação. As políticas públicas diferenciadas devem ser asseguradas e, caso necessário, estes devem participar de

iniciativas equivalentes àquelas direcionadas às populações nas terras indígenas.

4) Distribuição de cestas básicas em períodos como o do COVID 19 é fundamental, desde que em caráter emergencial e provisório, a medida deve ser avaliada localmente pelas comunidades, através de suas lideranças ou organizações indígenas. O repasse direto dos recursos às organizações indígenas ou a compra coletiva de alimentos e seu transporte até as comunidades podem ser alternativas. Essas ações necessitam de articulação entre o Ministério da Cidadania, a Conab/MAPA, a SESAI/Ministério da Saúde, a FUNAI, organizações indígenas e parceiros públicos ou privados responsáveis pela logística de transporte. Os alimentos adquiridos devem estar em conformidade a cultura alimentar de cada região, dando preferência a alimentos agroecológicos produzidos e cultivados pelas comunidades indígenas e evitando a distribuição massiva de produtos

ultraprocessados. Deve-se adotar medidas de higienização dos alimentos e uso de equipamentos de proteção individual pelas pessoas responsáveis pelo transporte, que devem contar com o auxílio da SESAI (Nota Informativa Sesai 03/2020);

5) Continuidade das ações do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) em Terras Indígenas e para comunidades e famílias indígenas em situação de vulnerabilidade em contextos urbanos. O acesso à alimentação que o PNAE proporciona deve ser garantido, mesmo com a suspensão das atividades escolares.Sugerimos priorizar sempre a produção local e escolhas alimentares culturalmente específicas. Em última instância, recursos financeiros destinados à compra da alimentação escolar devem ser transferidos diretamente às comunidades ou às famílias, garantindo a segurança alimentar;

6) Garantia do acesso à água potável e ao saneamento básico, fundamentais para o enfrentamento da COVID-19 e para a SAN entre povos indígenas. Deve ser assegurado o saneamento e abastecimento de água potável em terras indígenas, garantindo as ações de higienização para o enfrentamento da COVID-19 e o direito social da SAN;

7) Atenção aos riscos à saúde em decorrência da liberação do pagamento do auxílio (financeiro) emergencial . Devem ser adotadas medidas de prevenção e proteção ao contágio dos indígenas no acesso ao auxílio emergencial, na medida em que podem provocar o deslocamento às cidades. A SESAI, a FUNAI, o Ministério da Cidadania e as organizações e lideranças indígenas e da sociedade civil têm papel chave na orientação da população sobre as orientações preventivas ao contágio e elaboração de alternativas socialmente adequadas de acesso ao recurso. Nesse cenário também recomendamos a suspensão imediata dos atuais bloqueios ao recebimento do Programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) por beneficiários indígenas. A atual restrição à mobilidade indígena limita por tempo indeterminado a ida aos centros urbanos e as possibilidades de resolução de eventuais pendências documentais ou nas condicionalidades dos Programas por parte das famílias bloqueadas.

Por fim, reforçamos as recomendações feitas pelo Ministério Público Federal (Recomendação nº 11/2020-MPF, de 2 de abril de 2020; Recomendação legal no. 05/2020- MPF, de 13 de abril de 2020) à Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde; à Secretaria Especial de Desenvolvimento Social, do Ministério da Cidadania; à Secretaria Especial de Saúde Indígena; aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas; à Fundação Nacional do Índio; ao Instituto Nacional de Seguridade Social; aos Correios e Agências Bancárias; ao Chefe do Estado Maior; e aos Estados e aos Municípios de referência. É uma necessidade urgente que estes órgãos públicos responsáveis elaborem e executem planos de contingência coerentes com as realidades vividas pelos povos

indígenas no país, no enfrentamento da infecção pelo novo COVID 19 e na garantia da sua segurança alimentar e nutricional.

Rio de Janeiro, 17 de abril de 2020.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA – ABRASCO

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA – ABA

1Para maiores informações acesse o documento “ Garantir o direito à alimentação e combater a fome em tempos de coronavírus: a vida e a dignidade humana em primeiro lugar! ”, disponível em: http://alimentacaosaudavel.org.br/garantir-o-direito-a-alimentacao-e-combater-a-fome-em-tempos-de-coronavirus/6243/

 

 

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