“A história da saúde indígena não começa agora. O movimento da reforma sanitária esteve em constante diálogo na construção do que se tornou tanto o SUS como o subsistema de saúde indígena. Estamos juntos com os povos indígenas escutando suas reivindicações e demandas e traduzindo essas necessidades na linguagem da Saúde Coletiva, na linguagem do SUS”, afirmou Ana Lúcia Pontes, coordenadora do Grupo Temático Saúde Indígena da Abrasco, em abril deste ano. À época a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) estava sob risco de extinção, e a pesquisadora representava a associação em uma audiência pública no Senado Federal. A Sesai não foi extinta – vitória dos povos originários – e a história da saúde indígena ganhou um novo acervo: a Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) dos Povos Indígenas, recém lançada e, a partir de agora, em constante construção.
O banco de dados, oficialmente apresentado à comunidade da Saúde Coletiva em 27 de setembro, durante o 8 º CBCSHS, disponibilizará mais de 3 mil arquivos, progressivamente. Ana Lúcia, que é uma das coordenadoras do projeto, explicou que o conteúdo é diverso: “Há um acervo de produção científica – teses, dissertações, monografias, artigos – disponibilizado por órgãos como Capes, CNPq e universidades, e um acervo histórico arquivístico”. O acervo histórico é composto por documentos – muitos produzidos por indígenas – que narram a articulação pelo direito à saúde: atas, relatórios de reuniões e eventos, cedidos por pesquisadores e pessoas ligadas ao movimento indígena ou instituições – como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e o Centro de Documentação Indígena (CDI) – Missão Consolata.
O projeto começou em 2017, e o GT Saúde Indígena da Abrasco foi a primeira rede de pesquisadores acionada. O grupo ajudou a determinar os tipos de conteúdo, as fontes de consulta, os conceitos, os detalhes técnicos das buscas e até mesmo as imagens escolhidas para o site: “A BVS parte do pressuposto da construção de conhecimento em rede, em termos de colaborações e contribuições de diferentes pesquisadores ou movimentos sociais. O GT da Abrasco tem uma trajetória consolidada, desde 2000 fazendo projetos acadêmicos, técnicos e políticos. É esse grupo de pessoas que, ao longo desses dois anos, têm me apoiado em todos os detalhes – desde decidir as imagens que representariam as regiões até definir o que são áreas de saúde indígenas, ou como a gente discute e caracteriza o campo”, contou Ana.
Além da contribuição do GT Saúde Indígena da Abrasco, a BVS é fruto do trabalho do grupo de pesquisa Saúde, Epidemiologia e Antropologia dos Povos Indígenas da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) e da equipe da Seção de Informação (CTIC) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica (ICICT/Fiocruz), em parceria com a Bireme/OPAS/OMS. Luciana Danielli, que coordena as BVS no ICICT, também esteve presente nesse primeiro lançamento: “Considerando a especificidade do conteúdo, que contempla um acervo de produção de conhecimento oriunda da academia e também dos povos indígenas, foi essencial o diálogo entre os profissionais de informação e os especialistas da área, para o cuidado com a temática e o tratamento especial na recuperação desses documentos”, comentou a bibliotecária.
O resultado deste diálogo já é bastante rico: a biblioteca virtual é didática e simples, planejada para cumprir requisitos comuns de acervos científicos – como a possibilidade de pesquisa livre com qualquer palavra-chave, nome de autores, títulos, temas (como “epidemiologia”, “nutrição”, “mortalidade”) – e também as particularidades que envolvem a saúde indígena: é possível pesquisar por povos (“Baniwa”, “Xikrin”, “Yanomami”) ou regiões geográficas. Além de textos, a BVS suportará vídeos e imagens – assim que ajustarem os últimos detalhes técnicos.
A proposta é de construção contínua – e coletiva: durante a navegação, é possível encontrar vários recados que estimulam os usuários a enviarem sugestões, dúvidas e, claro, conteúdo. Ana Lúcia comentou que a ideia é que a BVS cresça de forma orgânica e descentralizada: “O comitê consultivo continuará acompanhado o desenvolvimento do conteúdo, discutindo sobre as atualizações necessárias da página, reconfigurações…mas o objetivo é fazer isso a partir do retorno de profissionais dos distritos sanitários, de movimentos indígenas, de outros pesquisadores. A gente pretende que diferentes instituições e pessoas, em diferentes lugares, continuem alimentando a BVS. Assim, poderemos atualizar constantemente, para que o acervo cresça e continue disponível. Não é um projeto com data de validade, tem perspectiva de muito futuro”.
A presidente da Abrasco, Gulnar Azevedo, também saudou a ação: “Nós temos muito orgulho do GT Saúde Indígena da Abrasco, que está sempre produzindo conhecimento e resistência. A luta pelo direitos dos povos indígenas é intrínseca à luta por um sistema universal de saúde e pelo fortalecimento do SUS”, comentou.
Desbrave a Biblioteca Virtual de Saúde dos Povos Indígenas!