A Ágora Abrasco promoveu mais um painel de interface de saberes e conhecimentos. Intitulado “Ciência e política no enfrentamento à pandemia de Covid-19”, o debate abordou diversos aspectos políticos para as tomadas de decisão durante a pandemia, especialmente no campo da produção do complexo econômico-industrial da saúde. Os debatedores trouxeram para análise elementos não só do período da pandemia, mas também como decisões políticas anteriores influenciaram a forma de lidar com o quadro que se apresentou este ano com a Covid-19. Participaram do debate Marco Aurelio Krieger, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); Reinaldo Guimarães, vice-presidente da Abrasco e pesquisador do Núcleo de Bioética e Ética Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NUBEA/UFRJ); Helena Nader, presidente de honra da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal do Estado de São Paulo (EPM/Unifesp); Paulo Henrique de Almeida, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). A coordenação foi de Marília Louvison, integrante do Conselho Deliberativo da Abrasco e professora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP).
O primeiro debatedor a falar foi Reinaldo Guimarães, que abordou a limitação do olhar que tenta encontrar uma “solução final” para pandemia: “A ideia de ‘bala de prata’ para o enfrentamento de doenças de massa é um olhar limitado. A própria tuberculose, após a [vacina] tríplice foi tendo cepas diferentes e explodindo”. Reinaldo destacou ainda que a interface entre política e tecnologia deve ser estruturante e não uma simples justaposição: “A interface tecnológica política no campo das doenças humanas é a maneira pela qual a grande indústria global de produtos de saúde tem de tomar decisões a respeito do que ela deve pesquisar, desenvolver, produzir e comercializar”. O professor criticou anda o fato muitas decisões serem tomadas de acordo com a rentabilidade que podem gerar e o fato de as empresas se situarem e voltarem suas produções para os países mais desenvolvidos: “Essas empresas também dirigem sua produção a mercados que podem gerar melhores receitas. Normalmente, esses são mercados do hemisfério norte. Isso faz com que as vidas não tenham valores iguais. Há vidas que valem mais do que as outras”.
Mesmo com dificuldades, respostas foram rápidas
A importância e o papel estratégico da Fiocruz no Brasil e na América latina foram destacados pelo pesquisador Marco Krieger. A experiência de ter tido o primeiro laboratório capacitado pela OPAS para lidar com a pandemia foi destacada: “Nosso laboratório referência foi o primeiro a receber a capacitação da OPAS e com essa capacitação treinamos os demais laboratórios do Brasil, alguns da América Latina e também dos estados.”. Krieger abordou ainda a resposta da Fiocruz no sentido de buscar produzir insumos, como kits de testagem, para o momento da pandemia. Para ele, essa capacidade de se adequar à demanda de forma rápida deve fazer o país repensar, inclusive, sua política do complexo econômico-industrial e a importância de fazer isso: “O Brasil é o único país na América Latina que teria capacidade de produzir insumos para uma possível vacina, mesmo que com transferência de tecnologia. Talvez só México e Cuba consigam também. Isso aumenta nossa responsabilidade”.
Helena Nader começou sua explanação apontando a importância da universidade pública e dos institutos de pesquisa que, no momento da pandemia, “mostraram a que vieram”. Além da universidade, a professora destacou a importância do SUS, um sistema com uma abrangência que poucos países possuem e que, com todo desmonte que passa, foi fundamental nas respostas à pandemia. Por fim, Helena destacou o diálogo com a população e o olhar social da ciência: “As pessoas mais simples estão vendo o que os cientistas, pesquisadores, médicos e enfermeiros falam na televisão. E a Abrasco tem um olhar do social junto com a ciência que é fundamental para o pós-pandemia”.
A trajetória até a dependência atual
O último debatedor, o professor Paulo Henrique de Almeida fez um histórico da questão, destacando que entre 1930 e 1980 prevaleceu uma política de integração entre política comercial, industrial e científica. Segundo ele “essa integração mudou nos anos 1980. Com a política neoliberal, Collor desmonta a possibilidade de termos uma política de indústria farmacêutica forte”. Paulo Henrique destacou ainda que “antes de 1996, o Brasil tinha uma situação semelhante à de China e Índia, hoje maiores produtores de insumos farmacêuticos do mundo”. Apesar dos esforços dos governos de Lula e Dilma em retomar a política industrial no setor, “o país já tinha aberto mão disso”. Por fim, o professor destacou: “A política da dívida nos colocou no lugar de dependência. Com a Covid-19, isso se mostrou de forma horrível. A China que aproveitou aquele momento melhor, deu uma resposta à Covid-19 sem igual no mundo. Está na dianteira inclusive da vacina”.
Veja como foi a íntegra do Colóquio na TV Abrasco: