Nesta quarta-feira,15, a Ágora Abrasco recebeu o painel População negra e a Covid-19: quatro pesquisadoras analisaram e debateram com o público questões diversas relacionadas à pandemia. As expositoras foram Joilda Nery, Marcia Alves e Denize Ornelas, e a coordenação foi de Emanuelle Goes. Joilda, Marcia e Emanuelle integram o Grupo Temático Racismo e Saúde da Abrasco, coletivo de cientistas que articulou o espaço virtual. Confira como foi a exposição e assista à palestra, já disponível na TV Abrasco.
População de rua
Para a professora Joilda Nery, docente do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), é preciso fazer a discussão ampla sobre a saúde da população negra, mas considerar os recortes: “A minha primeira reflexão é pensar que a população negra não é homogênea, tem segmentos expostos a diferentes riscos de adoecimento e morte. Não podemos equiparar as mulheres e homens pretos e pardos do nosso país, porque apresentam níveis de vulnerabilidade diversos: os quilombolas, a população carcerária, ribeirinhos, população em situação de rua”, explicou. No caso da pandemia da Covid-19, não é diferente. É preciso visibilizar e traçar políticas públicas para cuidar de toda a sociedade, entendendo de que maneira o racismo incide nos diferentes nichos.
“A escassez material é uma das principais condições do racismo que estrutura a vida das pessoas em situação de rua. Como chegar a elas e pedir para lavarem as mãos? E a nova recomendação é máscara para todos. Todos quem?”, indagou a professora, ao se referir a falta de estratégias de prevenção e cuidado das pessoas em situação de rua, diante da pandemia da Covid-19. Neste sentido, ela expôs o trabalho que tem feito em Salvador, com um grupo de estudantes e pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA: recolhem doações, em dinheiro, e distribuem kits básicos de higiene para iniciar o diálogo com as pessoas em situação de rua na capital da Bahia.
Os dados epidemiológicos não abordam raça/cor
Márcia Alves, pesquisadora da UFRJ e técnica da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, abordou a falta de dados considerando raça/cor nos boletins epidemiológicos sobre o coronavírus. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, 56,10% dos habitantes do Brasil se declaram pretos e pardos: “Nós, pessoas negras, precisamos estar em todos os espaços, documentos, normas, pesquisas…porque representamos a maioria. Não dá para não se incomodar com os boletins epidemiológicos de uma pandemia que não aborda raça/cor”, afirmou Alves.
Os dados são imprescindíveis para que os cientistas consigam pautar políticas públicas: é necessário entender onde e como vivem as pessoas mais e menos atingidas pela doença, de que maneira o vírus se prolifera, e a sua relação com outras doenças. “Os boletins epidemiológicos da Covid-19 abordam a condição dos agravos, que são apresentados por doenças crônicas, sem detalhamentos em relação à perspectiva racial. Se olharmos os índices de doenças cardíacas, diabetes ou doenças renais, tem desigualdade. Essas doenças, que acentuam a gravidade do coronavírus, são proeminentes na população negra, por exemplo”, explicou a pesquisadora.
Covid-19 nas favelas
A última palestrante foi Denize Ornelas, médica e diretora da Sociedade Brasileira de Medicina Medicina da Família e Comunidade (SBMFC). Ela corroborou com a fala de Joilda, de que é necessário pensar na saúde das pessoas entendendo os determinantes sociais. A médica tem trabalhando na campanha de prevenção e informação sobre o coronavírus nas favelas, em São Paulo, onde vive: “Faz pouquíssimo sentido dar recomendações para uma população que tem uma casa de 1 ou 2 cômodos, não tem sofá, nem mesa de centro, às vezes nem geladeira. Não é só sobre ter água potável para lavar as mãos, é sobre aglomeração, sobre saneamento”.
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Ornelas também defendeu que é necessário parar de naturalizar o fato de que as pessoas terão menos chances de se cuidarem porque são pobres. É preciso lutar e criar condições para que todos possam se cuidar: “A entrada da Covid-19 entrou no Brasil pelos bairros mais nobres, e aí 20 dias depois chegou nos porteiros, manobristas e empregadas domésticas. O Estado precisa ser responsabilizado por renda mínima e segurança alimentar durante a pandemia. Não é um olhar apenas de contenção do vírus, a pandemia nos dá oportunidade de perceber o quanto as desigualdades sociais são um problema o tempo inteiro”.
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