A Rede Brasileira de Escolas de Saúde Pública (RedEscola) publicou reportagem sobre a PEC 241, seus impactos na saúde e recente tentativa de suavização da proposta, procurando reduzir a resistência ao texto. A RedEscola é uma rede de instituições públicas que fazem formação para o SUS. Mês passado, iniciamos a produção de matérias jornalísticas sobre temas afins às nossas áreas de atuação: educação e saúde pública. Confira a reportagem na íntegra:
Mais de R$ 700 bilhões. Essa é a quantia que, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), a saúde pode chegar a perder ao longo dos próximos 20 anos se o Congresso aprovar a PEC 241, um projeto do governo federal que pretende congelar as despesas primárias da União ao longo desse período. Os parlamentares têm pressa. Como a Câmara já sinalizou,a PEC é uma das prioridades nos próximos dias, e sua tramitação nesta Casa deve terminar ainda em outubro. O presidente do Senado, Renan Calheiros, também afirmou que vai “fazer todos os esforços” para que a matéria seja votada rapidamente por lá, o que deve acontecer em novembro.
Nada é tão ruim que não possa piorar
Conforme apontam diversos pesquisadores da área (veja aqui, aqui e aqui), o financiamento da saúde nunca foi suficiente para construir e manter um sistema público e gratuito como o SUS, regido por princípios como o da universalidade e o da integralidade. Por isso, conseguir melhorar o investimento público na área é uma luta histórica dos movimentos em defesa do sistema, que pleiteavam um gasto obrigatório mínimo da União correspondente a 10% de suas receitas correntes brutas. Quando a emenda constitucional que normatizava essas despesas foi enfim regulamentada, em 2011, o SUS sofreu grande derrota. O dispositivo apenas institucionalizava o que já vinha acontecendo: estabelecia que a União deveria destinar à saúde, anualmente, o valor empenhado no ano anterior acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação do PIB no mesmo período. Estados e municípios deveriam investir, respectivamente, 12% e 15% do valor de determinados impostos arrecadados.
O barulho foi grande, já que pesquisadores indicavam o quanto a medida era nefasta se comparada à demanda dos movimentos sociais.
A situação se agravou no fim de 2015, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 86. Com ela, vinculou-se o gasto mínimo da União em ações e serviços de saúde a um percentual da sua receita corrente líquida (e não da bruta), começando em 13,2% em 2016 e chegando a 15% apenas em 2020. O problema é que, já em 2016, o volume de recursos obtidos pela nova regra foi ainda menor que no ano anterior, e a perda estimada foi da ordem de R$ 10 bilhões.
É este o cenário que a PEC 241 consegue complicar ainda mais. Ela estabelece um teto para as despesas primárias, que ficariam congeladas por duas décadas. Assim, a despesa de um ano precisaria ser idêntica à do anterior, variando apenas conforme a inflação.
Queda livre
O estudo do Ipea contraria a afirmação do Ministério da Fazenda de que a PEC não reduz recursos para áreas sociais como educação e saúde. A pesquisa simula o que teria acontecido nos últimos anos caso a medida já estivesse valendo, e a conclusão é que a União teria deixado de investir R$ 257 bilhões em saúde entre 2003 e 2015. Segundo o documento, seria praticamente impossível estados e municípios preencherem esse vão.
Nesta terça-feira (4/10), o relator da proposta na Câmara, deputado Darcísio Perondi (PMDB/RS) modificou o texto inicial, amenizando a situação e procurando diminuir a resistência ao texto. Segundo o parecer, o corte na saúde só deve começar a vigorar a partir de 2018 e o percentual a ser utilizado como base de cálculo para o teto de gastos na área deve ser de 15% das receitas correntes líquidas, e não de 13,2%, como estava previsto anteriormente. Para opositores da PEC, no entanto, a mudança não é tão significativa, já que as a diminuição de recursos continua gritante e o congelamento será de 19 anos — não muito diferente de 20.
A perda nos próximos anos depende do quanto o país vai crescer, e as contas mostram que o único cenário em que não haveria uma redução de verbas significativa é aquele de crescimento zero , o que não é esperado nem desejado por ninguém. Considerando um crescimento de 2% ao ano (e já com a ‘melhora’ proposta esta semana pela Câmara, mas ainda incluindo o ano que vem no cálculo) haveria uma perda de R$ 400 bilhões. No entanto, quando se faz a estimativa com base nas taxas previstas no projeto de lei de diretrizes orçamentárias para 2017, o quadro fica mais crítico: em 2036, a saúde terá perdido R$ 743 bilhões.
Parece um horizonte desanimador? Tem mais. Em 2036, a população brasileira terá crescido 10,1%. Assim, segundo o Ipea, se o Estado não desembolsar mais dinheiro com saúde, o gasto per capita vai cair consideravelmente. Essa informação ganha ainda mais relevância se considerarmos que, hoje, o gasto público brasileiro já é baixo, se comparado a outros países. Em 2013, por exemplo, essa aplicação foi de US$ 523 per capita; no mesmo ano, no Reino Unido e na França (que também têm sistemas públicos universais de saúde) foram empregados U$$ 2.766 e US$ 3.360 per capita; a Argentina (onde o direito à saúde não é universal) aplicou US$ 1.167; e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o investimento per capita médio nas Américas foi de US$ 1.816.
Mas o pior é que a população estará também mais velha, e, portanto, vai demandar mais serviços de saúde. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas próximas duas décadas o número de pessoas com mais de 60 anos vai dobrar: hoje elas são 12% da população brasileira, e em 2036 serão 21,5%. Isso significa, no mínimo, uma maior pressão por consultas, remédios e internações.
A primeira votação da PEC 241 na Câmara está marcada para o próximo dia 10. Ela precisa ser votada em dois turnos, tanto lá quanto no Senado, e os parlamentares preveem que a tramitação nesta última casa termine ainda em novembro. Caso seja aprovada sem modificações, segue para sanção presidencial.
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