A notícia já havia sido alardeada na sexta-feira (06), mas a publicação da portaria nessa segunda-feira (09) com a confirmação da exoneração de Valencius Wurch Duarte Filho da Coordenação de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (CGMAD/MS) ecoou em todos os veículos de imprensa comercial e dos movimentos em saúde.
Já eram esperados novos questionamentos sobre a manutenção de Valencius com a saída de Marcelo Castro do Ministério, em 27 de abril. Dias antes (15/04), a ocupação Fora Valencius foi desmatelada com a presença de oficiais de justiça e policiais, numa demonstração de força e truculência desnecessárias. Uma série de ações foram tomadas pelo grupo de entidades que coordenou o processo da ocupação, como o pedido de audiência com o novo Ministro da Saúde, José Agenor Alvares da Silva, protocolado no dia 29 e reforçado na presença de Agenor última reunião do pleno do Conselho Nacional de Saúde (CNS), nos últimos dias 05 e 06 de maio. Ele não esperou mais e procedeu com a exoneração. Keyla Kikushi, integrante da equipe técnica do MS, profissional próxima aos ideais antimanicomiais e de grande experiência assumiu interinamente a Coordenação.
Para Paulo Amarante, vice-presidente da Abrasco, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) e figura histórica do movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, o mérito da conquista é do movimento social da saúde, que lutou, resistiu e ocupou a CGMAD/MS desde o primeiro momento que soube da nomeação de Valencius, e não abaixou a cabeça frente às pressões que sofreram. Ele destaca também a capacidade e a sensibilidade do ministro José Agenor em perceber a permanência de Valencius como uma prova cabal de retrocesso na área.
“O Valencius foi uma figura escolhida por uma relação de amizade e que, por orgulho e vaidade, assumiu uma coordenação para a qual não tinha qualquer mérito. No entanto, com o quadro que se avizinha, não tenho dúvidas de que podemos em breve um participante mais orgânico dos setores conservadores à frente da Coordenação. Teremos de ter muito organização para lutar, pois não podemos permitir que o projeto antidemocrático seja engolido passivamente”, completa Amarante.
Para Melissa Oliveira, que compôs a coordenação da Ocupação e integra o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA), apesar de ter operado por 141 dias, a gestão Castro/Wurch imprimiu perdas sensíveis que não podem ser minimizadas. Foram casos de demissão e de afastamentos de técnicos da CGMAD/MS e a contratação de novos profissionais sem história nem relação com a gestão ou com os serviços territoriais, comprovadamente opositores à Reforma Psiquiátrica e ligados às forças mais conservadoras da Saúde Mental. “Além disto, pactuações com Comunidades Terapêuticas; articulações para formalização das mesmas como entidades filantrópicas – garantindo assim acesso a certas ações e financiamentos públicos; e a regulamentação de leitos em hospitais psiquiátricos no Piauí foram realizados”, ressalta.
Ana Paula Guljor, também pesquisadora da ENSP/Fiocruz e integrante do Grupo Temático Saúde Mental (GTSM/Abrasco), acrescenta que o enfrentamento possibilitou a aglutinação de diversos atores identificados com a luta antimanicomial, o que impulsionou a retomada de importantes espaços institucionais de controle social, como a Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde (CISM/CNS), que há três anos não era convocada para exercício de sua função de proposição, controle e monitoramento das políticas da temática.
“Vejo também como fruto desse processo a criação de grupos e coletivos do país que se politizam e buscam garantir seus direitos e resistir aos retrocessos em todos os espaços em diversos estados e municípios”, diz Ana Paula, lembrando também do lançamento da Frente Parlamentar Federal em 06 de abril, no aniversário de 15 anos da Lei. 10.216/2001. “Ao mesmo tempo que se configura em instrumento de pressão sobre as políticas a serem implementadas pelo Ministério, a ação também impulsionou a criação de frentes parlamentares estaduais como a do Rio Grande do Sul e a do Rio de Janeiro, ambas em processo de implantação nas respectivas Assembleias estaduais e que irão ser parceiras no âmbito das lutas gerais”.
Unanimidade entre os entrevistados, a vitória do Fora Valencius deve ser vista e entendida pelo movimento como um definidor sobre o tipo de Reforma Psiquiátrica que o Brasil realmente quer.
“Mesmo antes do Valencius, as internações compulsórias, as comunidades terapêuticas e a privatização da rede de saúde eram executadas por gestões que, formalmente, eram simpáticas à Reforma. Esse cenário acompanhava, também, o esfriamento dos movimentos sociais e das entidades e grupos vinculados à saúde pública e à saúde mental, que foram, pouco a pouco, perdendo um caráter mais crítico frente às decisões governamentais. Essa vitória é um momento ímpar para o país e requer atenção e organização dos movimentos sociais para além das pautas setoriais. Manter uma sala em um prédio ministerial ocupada por 120 dias por usuários, familiares, trabalhadores, gestores, pesquisadores, e militantes de diversos outros movimentos foi um marco para a história da saúde e certamente vai nos dar força para continuar uma luta atenta neste período difícil que acompanhamos e, que, certa e infelizmente, ainda representará muitos desafios e perigos ao campo da saúde mental e a tantos outros”, completa Melissa Oliveira.