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A situação dos quilombos do Brasil e o enfrentamento à pandemia da Covid-19 – Artigo de Hilton P. Silva e Givânia M. Silva

Hilton P. Silva e Givânia M. Silva*

Quilombo Espírito Santo – Acará / PA – Foto: Sidney Oliveira/Ag.Pará

O Brasil é o segundo país em total de casos diagnosticados e mortes por Covid-19 no mundo. Análises de instituições independentes mostram que a população negra é a mais afetada em relação tanto ao número de infectados quanto de mortos, embora o Estado insista em dificultar a divulgação dos dados desagregados por raça/cor. A situação de vulnerabilidade histórica a que estão submetidas as populações quilombolas pelo país, faz com que estas sejam especialmente atingidas pelos efeitos da pandemia.

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Diante do descaso governamental, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) vem organizando a luta por garantia dos direitos constitucionais para esta população, denunciando a falta de Planos de Contingência de Estados e municípios, ajudando com campanhas de arrecadação e distribuição de alimentos e kits de higiene, e fazendo o levantamento do impacto da Covid-19 nas comunidades. O racismo estrutural tem levado grande parte do patrimônio e memórias negras através das mortes dos idosos, já totalizando mais de 155 pessoas. A maior concentração de casos é na Região Norte, escancarando as desigualdades regionais e étnico-raciais no país.

Em particular no Pará, em que as comunidades quilombolas são as mais numerosas na Amazônia, há uma grande dificuldade de acesso a serviços de saúde, principalmente devido às distâncias a serem percorridas, e há também uma crônica falta de infraestrutura sanitária, de saúde e educação nos quilombos, configurando a ausência de políticas de Estado para esses grupos. Somente nas áreas quilombolas tituladas do Pará vivem mais de seis mil famílias, em 64 municípios. A maioria dos territórios quilombolas no Brasil ainda não foram titulados.

Até a primeira semana de agosto, de acordo com a Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos (Malungu) e o Núcleo Sacaca da UFOPA, que monitoram a situação via contatos pessoais com os líderes locais, já haviam no estado 1707 casos confirmados e 43 óbitos, ou seja, um terço das mortes do país entre as comunidades negras rurais. Como não há testagem adequada ou sistema de registro oficial, os casos e mortes quilombolas não notificados são de difícil contabilização.

Como resposta à pandemia, em todo o país, as comunidades têm optado pelo autoisolamento e tem adotado barreiras sanitárias autônomas. As pessoas que precisam buscar alimentos, medicamentos ou levar parentes aos hospitais são orientadas a seguirem as orientações sanitárias da OMS. No entanto, a situação tem se agravado uma vez que a Atenção Primária sempre foi precária, havendo mínima cobertura da ESF Quilombola e sendo esporádica a presença de médicos na maioria das comunidades, onde há muitas pessoas com doenças crônicas como hipertensão, diabetes e doença falciforme, que precisam de acompanhamento regular. Essas pessoas estão no grupo de risco para COVID-19, o que aumenta sua chance de morrer ao ter que buscar serviços de saúde nas áreas urbanas.

As populações quilombolas, em geral, dependem da agricultura para sobreviver. Sem poder sair para vender seus produtos, têm sofrido também com insegurança alimentar, já que grande parte não conseguiu o auxílio emergencial do governo federal. Em muitas áreas não há eletricidade, acesso a internet e as pessoas não tem telefone, CPF e/ou são analfabetas e por isso não conseguem fazer o cadastro para acessar os benefícios governamentais. Outras, quando conseguem, não podem se deslocar até a cidade para buscar os recursos por falta de transporte, de dinheiro ou medo de contágio, os que as impede de acessar também toda a rede de proteção social, inclusive para denúncias de violência doméstica e abusos sexuais.

De norte a sul do país, os afrodescendentes apresentam rica história de lutas pela preservação dos recursos naturais e vastos conhecimentos tradicionais. Porém, sofrem historicamente com elevadas taxas de doenças, ausência de saneamento ambiental e infraestrutura, vivem em moradias precárias, onde qualquer tipo de isolamento social intrafamiliar é impossível, há grande dependência de programas de transferência de renda e acesso limitado a Atenção Primária regular e outros serviços de saúde. Como agravante, uma pesquisa recente da ABRASCO mostrou redução da ação dos Agentes Comunitários de Saúde nos municípios durante a pandemia, sendo que estes são a única fonte de serviços de saúde para muitos quilombos.

As comunidades quilombolas, que cotidianamente vivenciam a ausência do Estado, têm recorrido às suas tradições culturais, religiosidade, conhecimentos etnobiológicos, auto-organização e solidariedade mútua para suportar o racismo estatal e mais essa doença. Na Década dos Afrodescendentes da ONU (2015-2024), cabe destacar que, mais de 132 anos após a abolição da escravatura, as populações quilombolas continuam a clamar por justiça.

Hilton P. Silva é docente do Programa de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Sociedade na Amazônia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará, Membro do Grupo Temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Givânia M. Silva é mestra em Políticas Públicas e Gestão da Educação, doutoranda em Sociologia da Universidade de Brasília, professora substituta da FUP/UNB, Membro da CONAQ.

A produção deste artigo tem apoio institucional do Fundo de População das Nações Unidas no Brasil (UNFPA).

 

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