Dono de um currículo profissional renomado, que inclui o título de Doutor Honoris Causa na McGill University, no Canadá, Naomar de Almeida Filho poderia dedicar seu tempo a aulas como professor visitante em universidades como a da Carolina do Norte, da Califórnia, de Montreal, de Guadalajara e de Harvard, instituições pelas quais já ministrou cursos e palestras. No entanto, aceitou em 2012 o convite para liderar um projeto de inclusão social e de transformação de uma região que abarca 48 municípios: a implantação da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB).
Experiência ele tem. Ex-reitor eleito da Universidade Federal da Bahia (UFBA) por dois mandatos – de 2002 a 2010 -, Naomar fez um importante trabalho de expansão da UFBA rumo ao interior do estado, desenvolveu uma forte política de ação afirmativa e instituiu os Bacharelados Interdisciplinares (BI). Alocados no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos (IHAC), os cursos partem da premissa de uma formação humanística que respeite a escolha profissional do aluno a partir da vivência, permitindo a complementação técnica e a titulação após a passagem pelos três anos do BI. Tais decisões fizeram do acesso à UFBA saltar de 3,200 mil para 8,100 mil estudantes em oito anos de gestão. Desse total, um quarto pelos Bacharelados Interdisciplinares.
Parte dessas ideias serão implementadas na UFSB, que teve a discussão de seus parâmetros curriculares para a área da Saúde discutidas nos últimos dias do encontro científico Formação Profissional em Saúde e Ensino da Saúde Coletiva. Em entrevista ao final do evento, Naomar detalha o projeto da universidade e destaca a importância que ela terá para o campo da Saúde Coletiva. “A Abrasco assume uma responsabilidade intelectual e política de reforço da nossa instituição, fazendo da UFSB a universidade da Abrasco no campo da formação em Saúde”.
Abrasco: Como se deu o convite para liderar a criação da Universidade Federal do Sul da Bahia?
Naomar de Almeida Filho: Quando começou a se organizar o projeto, fui convidado para ser coordenador da comissão de implantação e fui confirmado como reitor pró-tempore quando a Universidade foi aprovada no Congresso Nacional. O fato de eu ser oriundo dessa região (Naomar nasceu em Itabuna) me dá ainda mais apreço à ideia. Há dois anos a equipe está aqui construindo o projeto, que tem como arcabouço o regime de ciclos, como implantado na UFBA, mas com uma discussão muito mais vinculada à realidade local, ajustando o projeto para radicalizar a inclusão social como forma de acesso à universidade. A UFSB terá exclusivamente regime de módulos e será capilarizada nos municípios com mais de 20 mil habitantes da região, que terão unidades descentralizadas chamadas de Colégios Universitários, para que os alunos façam o primeiro ano sem precisar sair de onde moram.
Abrasco: Como será o processo de ensino na nova universidade?
Naomar de Almeida Filho: Iniciaremos ano que vem em três municípios: Itabuna, Porto Seguro e Teixeira de Freitas. Com o tempo, a ideia é abrir uma unidade descentralizada em todas as cidades da região que possuam mais de 20 mil habitantes, criando os Colégios Universitários, nos quais os alunos terão acesso a todos os Bacharelados Interdisciplinares (BI). Utilizaremos as novas tecnologias de educação e comunicação, num modelo que estamos chamando de Educação Mediada por Tecnologias. Não é Educação à Distância, pois todas as atividades curriculares vão ocorrer nas sedes e serão transmitidas em tempo real para essa rede de Colégios Universitários. Então, no primeiro ciclo, com duração de três anos, os alunos terão presença nos Colégios e participação virtual nos ambientes de aprendizado. O BI não tem uma estrutura curricular imposta e pré-determinada. A formação é montada a partir das escolhas dos próprios alunos. Os que tiveram bom desempenho serão selecionados para o segundo ciclo. Só que essa avaliação não é episódica, como num vestibular, mas sim será feita a partir da análise do aproveitamento acadêmico de todo o percurso durante o Bacharelado.
Abrasco: Por que o município de Teixeira de Freitas foi escolhido para sediar o Centro de Formação em Saúde?
Naomar de Almeida Filho: Essa escolha se deu pela carência de educação médica num raio de 500 quilômetros do sul do estado. A regra de implantação de novas universidades é alocar o curso de medicina junto à Reitoria, mas quisemos quebrar essa lógica, pois em Itabuna já há um curso público muito bom, da Universidade Estadual de Santa Cruz. No entanto, haverá oferta do Bacharelado Interdisciplinar em Saúde em todos os Colégios. Apenas as atividades do segundo ciclo da área da Saúde, com formação profissional em Medicina, Psicologia e Saúde Coletiva, serão ministradas exclusivamente em Teixeira de Freitas.
Abrasco: Qual a sua avaliação do encontro de Formação?
Naomar de Almeida Filho: O encontro foi importantíssimo. De nossa parte, nos integramos a todo o esforço que a Abrasco está fazendo em pautar a formação profissional em Saúde, talvez o grande nó da crise que o sistema vive. Por outro lado, a Saúde Coletiva teve, na sua história, poucas chances de propor alternativas efetivamente inovadoras. Toda essa discussão da educação profissional ficou concentrada com as corporações das profissões. O fato de termos uma universidade realmente nova, começando do zero; com uma matriz curricular diferente e que pretende superar os problemas e limites desse modelo de instituição, traz para a Saúde Coletiva uma espécie de grande espaço experimental para que muitas das ideias do campo tenham uma passagem para sua efetivação. Tanto que, no encerramento, a Abrasco assumiu uma responsabilidade intelectual e política com a nossa instituição, fazendo da UFSB a universidade da Abrasco no campo da formação em Saúde. Isso muito nos orgulha.