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Abrascão 2018 debate saúde do trabalhador na agricultura

Alice Gatto/Cobertura Colaborativa Abrasco*

Reflexões a partir dos desdobramentos que circundam a saúde da trabalhadora e do trabalhador na agricultura extensiva brasileira, destacando a interdisciplinaridade como solução para implementação de políticas públicas de impacto na vida dessas populações estiveram no centro dos debates travados na mesa-redonda “Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora na Agricultura”, realizada na tarde de sexta-feira, 27 de julho, no segundo dia do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2018. As falas dos expositores convergiram em defesa da terra, da soberania alimentar, da proteção dos territórios, da preservação do campo, das águas, das florestas e de políticas públicas que garantam a saúde em seu conceito ampliado.

A sessão contou com a participação de Jorge Mesquita Huet Machado, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que pontuou a importância da redefinição dos problemas de saúde para uma Política Nacional de Vigilância em Saúde (PNVS) que condiga com suas emergências; Fernando Ferreira Carneiro, da Fiocruz Ceará, que questionou em sua apresentação ‘quem define o que é rural?’, refletindo sobre quem legisla os limites territoriais, Ivi Tavares Castilero, do Movimento dos Sem Terra (MST/RJ) do Rio de Janeiro defendeu transição para o modelo agroecológico e a vulnerabilidade enfrentada por essa população para realizar essa transição, Karla Freire Baeta, coordenadora geral da Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, destacando a precarização e vulnerabilidade que as trabalhadoras e trabalhadores enfrentam na agricultura. A coordenação foi de Marcelo Moreno dos Reis, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (CESTEH/ENSP/Fiocruz).

Jorge Mesquita Machado fez presente Marielle Franco, que faria 39 anos nesse dia 27, ao destacar que a vereadora (PSOL/RJ) já atuava com a reflexão da organização social a partir dos “processos de deslocamento estruturais” para pensar políticas públicas. “Ela trazia a discussão de vários setores, organizava essa discussão, com isso deslocava o foco e organizava formas de intervenção”, disse o pesquisador da Fiocruz Brasília. Com esse gancho, Machado destacou o caráter integrado, intra e inter institucionalmente que se almeja nas Redes de Governança da Vigilância em Saúde com perspectiva de organizar os processos de informação, formação, a fim de implementar ações que efetivem a universalização em Vigilância em Saúde do Trabalhador e Vigilância e Saúde Ambiental.

Fernando Ferreira Carneiro, da Fiocruz Ceará, enfatizou os diversos adjetivos agora utilizados para referir-se a vigilância, “estamos adjetivando bem a vigilância, então é vigilância popular, vigilância e desenvolvimento, vigilância civil, vigilância participativa de base territorial, cada dia mais adjetivos porque a gente tá querendo fazer essa vigilância virar algo real de ação e mobilização”. O pesquisador frisou o processo de “reprimarização” da economia brasileira, das relações entre o capital e o trabalho, a desenfreada mais-valia sobre a natureza como foco da análise de seus investimentos em estudos. Carneiro abordou também a acumulação por pilhagem, um modelo que se vale das assimetrias perpetuadas pelas desigualdades sociais que se esforçam na apropriação da terra e das águas. Destacou que o rural não é definido por um conceito afirmativo, mas sim um conceito cartorial de tudo que não é urbano, comumente decidido pelas câmaras de vereadores dos municípios. “Rural é o que sobra”, afirmou Carneiro, ressaltando o caráter tributário dessa definição.

Ao final, o pesquisador ressaltou que o principal desafio para a Política Nacional de Saúde Integrada das Populações do Campo e da Floresta e das Águas é visibilizar as populações impactadas diretamente pela inconsistência dessa definição de rural e os desdobramentos na saúde dos trabalhadores e trabalhadoras, convergindo para uma cultura da “florestania”, que condiz a cidadania dessas populações.

Em seguida, Ivi Tavares Castilero, do MST Rio de Janeiro. Médica de família, membro da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, ela abordou os desafios enfrentados pela saúde coletiva e necessidade de alianças para superá-los, juntamente com a força dos movimentos sociais. Ivi Tavares Castilero trouxe suas experiências práticas dentro dos assentamentos do movimento para ilustrar os enfrentamentos em vigilância em saúde. A ativista destacou a dificuldade em construir políticas de saúde pelo somatório da carência dos dados e da deslegitimação do conhecimento popular para a construção dessas políticas.

A médica entoou o coro dos dois expositores anteriores ao frisar o caráter de internacionalização do território brasileiro, com impactos na soberania alimentar do país, além das disputas de território que culminam no assassinato de diversos membros dos movimentos sociais que lutam contra a insustentabilidade do modelo neoextrativista. Por fim, reforçou a importância da compreensão da luta, que se faz no dia-a-dia, e que “é o amor pela terra, que constrói saúde”.

A última expositora da mesa foi Karla Freire Baeta. Veterinária de formação, mestre em ciência animal, especialista em vigilância sanitária e planejamento e atualmente à frente da coordenação geral da Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Karla indagou as inúmeras tecnologias arcaicas e precárias nas condições de trabalho ainda implementadas na agricultura brasileira. Ela também pontuou as questões de gênero no campo, onde o plantio é feito substancialmente por mulheres que recebem muitas vezes metade, ou até menos, do que o que é oferecido aos homens. Baeta abordou também a fragilização das políticas públicas, a mecanização do campo e a dificuldade em fomentar a transição da agroecologia. A coordenadora geral da Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde ainda apresentou diagnósticos internacionais sobre a empregabilidade nos setores agrícolas-industriais, que estão diminuindo, o que alavanca a precarização e a vulnerabilidade desses trabalhadores.

*Alice Gatto é estudante do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/ ICICT/Fiocruz) e está no projeto de cobertura colaborativa para o Abrascão 2018 – Edição Bruno C. Dias

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