A política no Brasil está marcada, há décadas, pela relação promíscua entre partidos, lideranças, congressistas e governantes com empresas e grupos de interesse privado. Esta forma de atuar, infelizmente, não é atributo deste ou daquele partido, ou deste ou daquele governo mas, infelizmente é o modus operandi predominante na tradição do país.
Esse padrão degradado de negócios com a coisa pública tem gerado corrupção, mas também tem permitido a apropriação privada do orçamento público, supostamente destinado a assegurar políticas públicas e o bem-estar. Essa forma de operar termina privilegiando as elites econômicas e políticas, perpetuando a desigualdade, produzindo degradação urbana, enfraquecimento da regulação do setor imobiliário, automotivo, químico, da indústria farmacêutica, e ainda enfraquecendo o SUS – Sistema Único de Saúde, a Educação e Pesquisa Públicas, reduzindo direitos das mulheres, de povos indígenas, afrodescendentes, assalariados e pequenos produtores urbanos e rurais.
Este modo perverso de funcionamento do Estado e da Sociedade brasileira somente será superado pelo engajamento de diversos segmentos da sociedade.
O poder judiciário, com certeza, tem papel importante nessa mudança. A Operação Lava-Jato, de início, pareceu fazer parte deste esforço nacional. No entanto, há sinais de que vem preponderando em sua atuação perspectiva enviesada pelo partidarismo estreito e ações de legalidade duvidosa; isto a ponto, de um ministro do STF vir a público declarar-se preocupado com os desdobramentos da Operação, que a continuar nesse caminho caracterizaria “um retrocesso e não um avanço”.
Para agravar o desatino, grande parte da mídia, editores, âncoras e comentaristas perderam todo pudor com a objetividade do jornalismo profissional e ético, passando a açular o ódio e a intolerância.
Nesse sentido, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva, representativa de sanitaristas e pesquisadores, sempre comprometida historicamente com a defesa da saúde e da democracia, manifesta seu veemente repúdio aos episódios recentes que colocam em risco a legalidade democrática e o Estado de Direito no Brasil. Rechaçamos enfaticamente atos seletivos, medidas arbitrárias e manobras irresponsáveis que podem vir a configurar um verdadeiro Estado de exceção não declarado.
A coerção e a intimidação impõem retrocessos ao árduo processo de consolidação da democracia, da garantia das liberdades e dos direitos fundamentais. Neste momento de crise nacional, o respeito às instituições que apuram desvios e corrupção deve ser acompanhado de especial vigilância e mobilização, diante das aspirações de forças conservadoras da política, da mídia e de parte da sociedade, orquestradas em tomar o poder a qualquer custo.
A Abrasco junta-se às entidades e movimentos sociais comprometidos com a inadiável coesão nacional para a superação da crise política que ameaça a democracia, da crise econômica que destrói empregos e aniquila as políticas sociais inclusivas, e da crise sanitária causada pelo desfinanciamento do SUS e pelos desafios atuais de saúde pública, dentre eles a epidemia de zika.
Os valores de democracia, justiça e solidariedade, que nos movem na defesa intransigente de um sistema de saúde universal, devem continuar a inspirar nossas ações e nossas escolhas, hoje e sempre.
Rio de Janeiro, 7 de março de 2016.