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Abrasco e outras entidades repudiam indicação de ficha suja para Ministério da Saúde

Vilma Reis com informações do Contas Abertas

Em carta aberta ao presidente da República, Michel Temer, a Abrasco e mais 17 entidades da sociedade civil repudiam a possível indicação do ex-deputado e ex-Prefeito de Sete Lagoas/MG, Márcio Reinaldo Dias Moreira para o cargo de Subsecretário de Planejamento e Orçamento. Para as instituições, trata-se de pessoa que não apresenta exame de vida pregressa consonante com as balizas constitucionais indispensáveis ao exercício de tão sensível e nuclear cargo comissionado.

“O potencial indicado não reúne, em seu perfil profissional, habilidades apropriadas ao exercício da função, que exige profundo conhecimento especializado para lidar com a complexidade de um orçamento anual de cerca de R$ 130 bilhões, como o da Saúde”, explica a carta.

Porém, o que mais traz preocupação para os signatários do documento é a condenação imposta pela Justiça Eleitoral a Márcio Reinaldo Dias Moreira – em 03/04/2017 – que o tornou inelegível.

A condenação aconteceu em face da constatação de abuso de poder político perpetrado com o fim específico de se beneficiar e a seus familiares no pleito eleitoral municipal de 2016.

“Juridicamente se o potencial indicado para área técnica do Ministério da Saúde não atende aos ditames da Lei da Ficha Limpa e, portanto, encontra-se judicialmente impedido de se candidatar a mandato eletivo por haver abusado do poder que manejava na condição de Prefeito, tampouco pode pretender ocupar cargo em comissão responsável pelo planejamento e execução orçamentária do Ministério da Saúde”, defendem as instituições.

A carta ainda destaca que Márcio Reinaldo responde a inquérito civil perante o Ministério Público de Minas Gerais, onde se apura prática de eventual ato de improbidade administrativa em sua gestão à frente da Prefeitura de Sete Lagoas (contratações irregulares) e teve seu nome relacionado como beneficiário de contribuição ilícita pelo ex-executivo da Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Júnior em acordo de delação premiada homologado judicialmente.

Para as entidades, a confluência de tais fatos é suficientemente relevante para ofender a moralidade administrativa, o que, por isso mesmo, descredencia o candidato cogitado para a possível nomeação.

Confira aqui em versão PDF e abaixo a íntegra do documento.

CARTA ABERTA AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA

As entidades e os cidadãos signatários desta Carta Aberta vêm, respeitosamente, à presença do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, MICHEL MIGUEL ELIAS TEMER LULIA, expor as preocupações que se seguem. Chegou a conhecimento público que o Ministro da Saúde teria a intenção de nomear para o cargo de Subsecretário de Planejamento e Orçamento o ex-deputado e ex-Prefeito de Sete Lagoas/MG, sr. MÁRCIO REINALDO DIAS MOREIRA. Trata-se de pessoa que, com a devida venia, não apresenta exame de vida pregressa consonante com as balizas constitucionais indispensáveis ao exercício de tão sensível e nuclear cargo comissionado.

O potencial indicado não reúne, em seu perfil profissional, habilidades apropriadas ao exercício da função, que exige profundo conhecimento especializado para lidar com a complexidade de um orçamento anual de cerca de R$ 130 bilhões, como o da Saúde. Porém, o que mais traz preocupação para os signatários é a condenação imposta pela Justiça Eleitoral 1 a Márcio Reinaldo Dias Moreira – em 03/04/2017 – que o tornou INELEGÍVEL, em face da constatação de abuso de poder político 2 perpetrado com o fim específico de se beneficiar e a seus familiares no pleito eleitoral municipal de 2016. Juridicamente se o potencial indicado para área técnica do Ministério da Saúde não atende aos ditames da Lei da “Ficha Limpa” e, portanto, encontra-se judicialmente impedido de se candidatar a mandato eletivo por haver abusado do poder que manejava na condição de Prefeito, tampouco pode pretender ocupar cargo em comissão responsável pelo planejamento e execução orçamentária do Ministério da Saúde.

O Congresso Nacional não ignorou o poder de influência no pleito eleitoral pela via das finanças públicas, sendo a execução do orçamento um dos pontos de relevo para o controle preventivo e repressivo de quaisquer abusos. Tanto é assim que as Leis Complementares nº 64/1990 e nº 101/2000 e a Lei nº 9.504/1997 trazem vários dispositivos com o nítido propósito de evitar que o uso da máquina pública possa desequilibrar as eleições. Somem-se a isso os fatos de que Márcio Reinaldo (1) responde a inquérito civil 3 perante o Ministério Público de Minas Gerais, onde se apura prática de eventual ato de improbidade administrativa em sua gestão à frente da Prefeitura de Sete Lagoas (contratações irregulares) e  (2) teve seu nome relacionado como beneficiário de contribuição ilícita pelo ex-executivo da Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Júnior em acordo de delação premiada homologado
judicialmente. 4

A confluência de tais fatos é suficientemente relevante para ofender a moralidade administrativa, o que, por isso mesmo, descredencia o candidato cogitado para a possível nomeação. Trata-se de espraiar a força irradiante e o sentido protetivo da “Ficha Limpa” para quaisquer cargos, empregos e funções públicas, como, aliás, o Congresso Nacional tem debatido no âmbito da Proposta de Emenda Constitucional nº 6/2012 5.

Não se pode ignorar que choca a qualquer cidadão – e, segundo o Tribunal de Contas da União 6 , mais de ¾ da população brasileira depende única e exclusivamente do SUS para acesso à saúde – que o Ministro da Saúde nomeie, a poucos meses de sua possível saída da Pasta para concorrer às eleições de 2018, um mensageiro estratégico para execução orçamentária e financeira do segundo maior orçamento da União para implementação de política pública, ficando atrás, apenas, do orçamento da previdência social.

A questão que se coloca, assim, é de avaliação da pertinência temática entre a “ficha suja” de quem se pretende indicar e o cargo pretendido como fato gerador de imoralidade, em um contexto capaz de majorar insuportavelmente o sempre presente risco – no pleito eleitoral que se avizinha – de abuso do poder político.

Se o candidato a cargo eletivo é obrigado a demonstrar o cumprimento de requisitos mais exigentes para se eleger mandatário do povo, quem almeja exercer função estratégica subordinada e de natureza técnica na Administração Pública, por idêntica e quiçá maior razão também deve fazê-lo. À luz das valiosas lições da Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Carmen Lúcia, retomamos o assento inescusável do princípio da moralidade em nosso ordenamento constitucional:

“o princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa” (Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. pp. 213-214).

Se considerarmos que, segundo Dalmo Dallari, “a saúde é um instrumento de negociação política, pois tem representação econômica, podendo ser tratada como mercadoria” (I Congresso de Direito & Saúde da OAB-CE e MPE-CE, 2011), torna-se imperioso que a sociedade e os governantes probos redobrem os cuidados para com as nomeações de cargos comissionados e funções de confiança no Ministério da Saúde. Esse cuidado também é recomendado pelo Referencial de Combate à Corrupção (2017) aprovado pelo Tribunal de Contas da União e aplicável aos órgãos e entidade da Administração Pública.

Tomando por empréstimo trechos da decisão do Juiz da 1ª Vara de Fazenda Pública Santa Catarina na Ação Popular nº 0322615-08.2014.8.24.0023, até mesmo “para se ocupar a função de estagiário (sem qualquer demérito ao cargo) são exigidos uma série de documentos a fim d[e] a administração se precaver acerca da boa-fé e moralidade do interessado”. E, se mesmo na mais simples das funções exercidas dentro da Administração Pública, é necessário um extenso rol de documentos para nomeação, quem dirá para o provimento de uma das funçõesde maior importância e envergadura dentro do quadro do Ministério da Saúde: a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento que é responsável, aqui novamente ousamos repetir por necessidade de reforçar o risco envolvido, pelo planejamento e pela execução orçamentária de algo como R$ 130 bilhões anuais.

Ademais, não se pode olvidar que “a atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado” (ADI 2.661-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-6- 2002, Plenário, DJ de 23-8-2002).

É evidente o fragrante desrespeito à Constituição da República, no que tange à moralidade administrativa (artigo 37, caput), quando se pretende nomear para um cargo de tamanha magnitude – Subsecretário de Planejamento e Orçamento do Ministério da Saúde – pessoa “ficha suja” já assim formalmente condenada pela Justiça Eleitoral, em decorrência de comprovado abuso do poder político e que ainda figura tanto em inquérito por improbidade administrativa, quanto em lista de colaboração premiada.

Urge reiterar e insistir no temor que move todos os signatários desta Carta Aberta: não se trata de função menor, senão d’O cargo responsável pelo planejamento e pela execução técnica do orçamento de cerca de R$ 130 bilhões, a partir de cuja atuação cotidiana são pulverizados repasses fundo-a-fundo pelos entes subnacionais por força de mandamento constitucional (artigo 198, § 3º, inciso II) e legal (artigo 17 da Lei Complementar nº 141, de 2012).

Segundo consta em Relatórios do Tribunal de Contas da União 7, o volume de aproximadamente 70% do orçamento do Ministério da Saúde é executado mediante transferências fundo-a-fundo a Estados e Municípios. Isso demonstra o elevado impacto das ações da Pasta sobre as finanças locais, as quais, por sua vez, influenciam o pleito eleitoral, ainda que pela via reflexa.

É inequívoco que o exame perfunctório da vida pública de Márcio Reinaldo Dias Moreira (eleitoralmente “ficha suja”, investigado por improbidade administrativa e delatado pela Odebrecht) não ostenta a retidão necessária para o desempenho das funções técnicas de singular complexidade em questão, retidão essa aferida pela ausência de condenações e/ou inquéritos cíveis e criminais por delitos ou atos de improbidade praticados contra a Administração Pública.

Diante de todo o exposto e com fundamento no artigo 198, inciso III da Carta Política, que assegura o controle social por meio da participação da comunidade na direção única do SUS, os signatários desta Carta Aberta repudiam a possível nomeação do senhor MÁRCIO REINALDO DIAS MOREIRA para o cargo de Subsecretário de Planejamento e Orçamento do Ministério da Saúde, cujo provimento deve ser precedido de cuidadoso exame dos requisitos constitucionais que legitimam o exercício da função pública, em consonância com os princípios da legalidade, moralidade, finalidade e indisponibilidade do interesse público pelo agente particular que o administra.

No legítimo exercício do controle social, carta de idêntico teor será encaminhada à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão (Combate à Corrupção) e à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão da Procuradoria-Geral da República (5ª CCR e PFDC/PGR), ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), ao Conselho Nacional de Saúde (CNS) e à Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), com vistas a ampliar a participação da sociedade no acompanhamento da matéria.

Brasília, 28 de fevereiro de 2018

Assinam a presente carta aberta as seguintes entidades:

1. AMASA – Amigos Associados de Analândia – Analândia/SP
2. Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO
3. Associação CONTAS ABERTAS
4. Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União | AUDTCU
5. Associação dos Auditores de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul – AUD-TCE/MS
6. Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil – ANTC
7. Associação Nacional do Ministério Público de Contas – AMPCON
8. Associação Nacional do Ministério Público de Defesa da Saúde – AMPASA
9. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – CEBES
10. Confederação Nacional dos Servidores Públicos – CNSP
11. Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas – CNPGC
12. Instituto de Direito Sanitário Aplicado – IDISA
13. Instituto Nossa Ilhéus
14. Instituto Soma Brasil
15. Movimento Muda Ibiapaba do Estado do Ceará
16. MPDI-Movimento Popular Desperta Ibiapina Ceará
17. Sindicato Nacional dos Servidores do Sistema Nacional de Auditoria do SUS – SINASUS
18. SINDSEMIB – Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Ibiapina – Ceará

1 Ação eleitoral de nº 0000519-34.2016.6.13.0263 que tramita perante a 263ª Zona Eleitoral de Sete Lagoas.
2 http://setelagoas.com.br/noticias/politica/38196-marcio-reinaldo-carol-canabrava-e-jansen-patrick-saocondenados-por-abuso-de-poder-politico
3 Inquérito autuado sob o nº MPMG-0672.17.000446-5, noticiado em
https://www.mpmg.mp.br/main.jsp?lumPageId=8A91CFAA4D1CDE88014D20BF3A587260&lumI=portalmpm
g.service.consultaprocessualprimeirainstancia.interessadoList&itemId=7132194
4 Como se pode ler em https://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/delacao-da-odebrecht-marcio-reinaldo-e-citadoem-lista-de-delator.ghtml
5 Noticiada em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2013/07/02/senado-aprova-exigencia-de-fichalimpa-para-todos-os-servidores-publicos
6 Dados CNES, Acórdão nº 693/2014-TCU/Plenário
7 Acórdão nº 2.444/2016-TCU-Plenário

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