No primeiro semestre de 2015, Antonio Carlos Figueiredo Nardi, substituiu Jarbas Barbosa na Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O novo diretor, cirurgião dentista com pós-graduação em Gestão de Serviços e Sistemas de Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz , foi presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems.
Visando conhecer melhor a posição de Antonio Nardi, sobre a Vigilância em Saúde, Jandira Maciel e Marcelo Firpo – coordenadores dos Grupos Temáticos da Saúde do Trabalhador e Saúde e Ambiente da Abrasco, respectivamente, levantaram a necessidade desta entrevista, em exclusivo para as mídias da Abrasco, para recolocar o debate crítico da Vigilância, como um todo, dentro do SUS e de áreas específicas como Saúde do Trabalhador e Saúde Ambiental, garantindo que certos avanços e políticas sejam respeitados – “A ideia é que, em 2016, esse debate possa ser continuado e aprofundado pela Abrasco e seus vários GTs, em articulação com o processo já iniciado no âmbito da SVS/MS em 2013 (e posteriormente desmobilizado) em torno da discussão de uma Política Nacional de Vigilância”, comentou Marcelo Firpo.
A Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde é responsável, em âmbito nacional, por todas as ações de vigilância, prevenção e controle de doenças transmissíveis, pela vigilância de fatores de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, saúde ambiental e do trabalhador e também pela análise de situação de saúde da população brasileira.
Abrasco – Em 2013 iniciou-se o processo de construção da Política Nacional de Vigilância em Saúde. A proposta era a de articular e integrar todas as áreas da vigilância (epidemiológica, sanitária, ambiental e de saúde do trabalhador, assim como a promoção e a análise de situação de saúde) em torno de um Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, incluindo a estruturação da carreira nacional de Vigilância em Saúde. Tendo em vista a importância do assunto e considerando que o mesmo foi interrompido, a Abrasco pergunta: qual é a posição do senhor sobre esta questão? Pretendem retomá-la? Quando? De que forma?
Nardi – Nunca houve como proposta que a política abordasse a estruturação da carreira nacional de vigilância em saúde. Isto não compete a uma política pública de vigilância em saúde , mas sim a uma lei federal. A interrupção da discussão temporária se deu apenas por conta da alternância democrática de gestores federais. Neste momento, ainda não há a definição dos titulares de várias secretarias do MS, incluindo a Secretaria de Vigilância em Saúde.
Abrasco – Estamos em processo de construção 15ª. CNS. Quais são os pontos que a SVS irá pautar nesta conferência? Como fará isto?
Nardi – Não cabe a SVS pautar qualquer tema na 15ª CNS. Esta pauta foi construída de maneira ascendente a partir das etapas municipais, estaduais e pela comissão organizadora da Conferência.
Abrasco – A SVS e suas diversas áreas, inclusive o DSAST, a muitos anos possuem uma forte relação com a Abrasco e seus GTs na construção de políticas, formação de recursos humanos, análise de temas emergentes, dentre outros. Conferências, congressos e simpósios, nas últimas três décadas, têm sido organizados através de forte cooperação entre a Associação e o Ministério da Saúde. Como vê o futuro dessa cooperação?
Nardi – Toda parceria com a Abrasco deve ser fortalecida, sobretudo nas áreas de vigilância em saúde. Esperamos que o orçamento federal dos próximos anos facilite um aumento deste necessário compromisso.
Abrasco – E sobre a formação de recursos humanos para a Vigilância em Saúde, quais são as propostas? E a questão dos recursos?
Nardi – esta é uma área em transição do arcabouço normativo. Novas leis determinam uma adequação das proposições anteriores, facilitando algumas áreas e dificultando outras. Permanecemos com a necessidade de formação de técnicos em vigilância em saúde, mas não há consenso federativo sobre a formação técnica para os Agentes de Controle de Endemias, por exemplo. Estamos readequando ainda o escopo de formação de pós graduação e especialização a ser apoiado pela SVS. Quanto aos recursos, não são boas as perspectivas atuais para o orçamento de 2016, o que limita nossos compromissos.
Abrasco – O campo da Saúde e Ambiente e da Saúde dos Trabalhadores possui um forte componente de controle e participação social, um dos princípios do SUS. Isso ocorre em especial através da articulação entre as várias áreas e o corpo técnico do SUS, bem como grupos acadêmicos, com os movimentos sociais e sindicais. Como a SVS avalia essa articulação e como pretende aprofundá-la?
Nardi – Avalia como primordial e reconhece que não apenas os profissionais do Ministério da Saúde, mas das três esferas de governo responsáveis por atribuições perante a saúde do trabalhador e saúde ambiental. Neste sentido, a SVS fará articulações interfederativas com estes temas. Os desafios na área de saúde do trabalhador está em reconhecer o papel definido pelo setor na Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, que amplia significativamente o papel do CEREST como referência, assistência, vigilância e apoio matricial junto a atenção primária. Há que se minimizar os embates desnecessários entre as instituições responsáveis pela qualificação da saúde do trabalhador, criando um ambiente sinérgico que consiga definir responsabilidades menos conflituosas e mais produtivas, em especial na área de vigilância em saúde do trabalhador. Na questão ambiental, a agenda é exponencial em virtude dos agravos advindos das mudanças climáticas, do uso de agrotóxicos sem precedente na história humana. Não será possível nenhuma ação resolutiva do SUS, sem a participação da comunidade e da academia tanto na mobilização como no apoio na formulação e operacionalização dos projetos de intervenção. A SVS está comprometida com esta agenda.
Abrasco – A realização do 2º SIBSA (2º Simpósio Brasileiro de Saúde e Ambiente, realizado entre 19 a 22 de outubro de 2014, em Belo Horizonte) reforçou a importância da articulação com as populações que mais vêm sofrendo os efeitos negativos de certos empreendimentos econômicos. Isso ocorre tanto com as populações do campo, florestas e águas (vide exemplo dos agrotóxicos com impactos ampliados pela produção de alimentos contaminados); como nas cidades envolvendo questões de saneamento, poluição, moradia e mobilidade. Qual o papel da SVS frente a essas questões?
Nardi – O papel da SVS é fortalecer as políticas públicas já instituídas e facilitar a composição de arenas para a formulação de novas políticas que promovam a qualidade de vida a partir de um ambiente saudável. São incontáveis as ações intersetoriais que a SVS tem promovido e que devemos ampliar.
Abrasco – Uma das deliberações da 4ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (15 a 18 dezembro 2014), em consonância com a PNSTT (decreto nº 7.602 de 7 de novembro de 2011), foi a continuidade das ações de vigilância em saúde do trabalhador, considerando tanto a vigilância dos agravos como também a dos ambientes e processos de trabalho competência do SUS. Este último ponto, qual seja, a Vigilância dos Ambientes e dos Processos de Trabalho, vem sendo duramente atacada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e por alguns setores da Justiça, por suposta invasão de competência na ação do SUS. Como os senhores veem esta questão? O que o MS, através da SVS, pretende fazer em relação a esta questão?
Nardi – Disputas setoriais como esta só interessam aos que são contra a construção da cidadania em saúde. Entretanto, há que se regular em definitivo as competências do SUS e do MTPS em relação ao ambientes de trabalho.
Abrasco – Outro ponto importante da PNSTT, também reforçado nas deliberações da 4ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, é a necessidade de se avançar na vigilância dos agravos à saúde relacionados com o trabalho, em particular os acidentes de trabalho (grave, fatal e em crianças e adolescentes), as intoxicações exógenas por substâncias químicas, priorizando os agrotóxicos, os transtornos mentais relacionados com o trabalho, entre outros. Embora, aqui no Brasil, estes eventos e agravos à saúde já estejam previstos, a algum tempo, como de notificação compulsória, os dados revelam que isto vem se dando de forma muito deficiente, muito aquém da realidade. Esta afirmativa baseia-se, entre outros aspectos, pelo fato de que os dados do Ministério da Previdência Social (MPS) são bem superiores aos do MS, embora os dados daquele refiram-se apenas à população segurada, esta bem inferior à população economicamente ativa, à qual se refere os dados do SUS. O que a SVS pretende fazer para superar esta situação?
Nardi – Há de fato uma grande heterogeneidade quanto às informações, em especial as produzidas pela Atenção Básica nesta área. O Ministério da Saúde deverá priorizar o processo de integração entre as ações de vigilância e assistência. Isto passa pela qualificação e melhoria da capacidade de gestão do sistema. Neste sentido, qualificar a informação, análise e instrumentalizar a tomada de decisão em todas as esferas de gestão do SUS são os passos iniciais.