Mais de 30 organizações, fóruns e entidades do movimento social, dentre eles Abrasco; FASE; Campanha Nacional em Defesa do Cerrado; Rede Brasileira de Justiça Ambiental; Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), além de instituições e núcleos de pesquisa, como Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Núcleo Tramas (UFC), estiveram reunidas entre 12 e 14 de julho no Rio de Janeiro no “Encontro das Águas – Oficina de Diálogos e Convergências entre Redes”. Entre os objetivos do evento, a articulação de diversas ações sobre os usos e as condições impostas ao consumo da água em nosso planeta que galvanizem as lutas sociais em defesa dos mananciais.
No primeiro dia do encontro, as organizações, em conjunto ou separadas, apresentaram os elementos que ligam suas lutas e temáticas à questão da água. Na sequência, Leo Heller, pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR-Fiocruz), associado Abrasco e relator da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito humano à água, falou de como organismos internacionais e demais países vem tratando a questão do direito universal à água.
“Esse direito está instituído dentro do marco jurídico internacional e reconhecido por vários países, alguns tendo já mudado suas constituições desde 2010, marco do início desse direito. O Brasil não fez isso. Existem testes de tramitação no Congresso para que a nossa Constituição reconheça esse direito social. Vemos que a atual agenda do país é outra e, infelizmente, não passa por esse reconhecimento. O Brasil está atrasado em relação, mas nosso Judiciário, em suas sentenças, tem advogado o direito humano à água e esgotamento sanitário para fazer valer o direito das pessoas”, falou Heller, que destaca como um dos principais problemas nacionais a desigual distribuição desse bem comum entre as populações.
Outra fala contundente foi de Erivan Silva, da Articulação Antinuclear do Ceará e do MAM, que se valeu das métricas do cordel para trazer a denúncia de sua região. “Em qualquer lugar que for, sem água, a vida padece. O alimento não cresce na casa do agricultor. Por isso, caro doutor, a água é meu alimento. É direito, é território, é saúde, é meu alento. É relação de amor na terra que nos criou. Da vida, é condimento. Por isso, meu lamento de pura indignação para quem rouba água para o capital”.
Outras intervenções ressaltaram as tensões promovidas pela disputa dos recursos hídricos na mineração, na agropecuária e na pesca extrativa. Nos últimos anos, a mineração foi responsável pelo segundo maior número de demandas de outorgas para uso da água no Brasil, utilizando esse bem essencial à vida para deslocamento subterrâneo de minérios e para projetos de fracking (fraturamento hidráulico) na extração de gás natural e petróleo. A agropecuária, por sua vez, consome 72% da água utilizada no Brasil e desperdiça quase a metade, sem contar os volumes cúbicos contaminados por agrotóxicos, tanto em águas superficiais como subterrâneas.
Já sobre as águas dos mares, rios e bacias, e em especial sobre a Baía de Guanabara, Alexandre Anderson, da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar), destacou que, para eles, a água é o fôlego e o sustento. “É um verdadeiro apartheid o que ocorre, com dois mundos – da Baía ocupada da Ponte para o seu fundo, e da Ponte em direção à Zona Sul. Quando falamos de água, não é apenas a de beber, mas a que serve para nos banharmos, para o transporte, para o alimento e para o sustento do pescador. Para nós, pescadores artesanais, é a mesma importância que damos à vida”, afirmou.
No último dia, Camila Mello, do Comitê Organizador do Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), ressaltou a importância dos movimentos sociais abraçarem o Fórum Alternativo como espaço de construção. Dentre outros pontos, ela a necessidade dos movimentos sociais construírem discursos alternativos a ideia do puro e simples desenvolvimentismo. “O grande problema é essa busca desenfreada pelo desenvolvimento que deixa de lado o bem viver e outras formas de permanecer no mundo. É um debate central e arma para aqueles que defendem as privatizações dos recursos como estratégia de desenvolvimento”. O FAMA pretende ser uma alternativa à lógica empresarial e exploradora de recursos corporificada pelas organizações do 8º Fórum Mundial da Água. Ambos serão realizados em março de 2018.
A Abrasco esteve representada pelos pesquisadores Raquel Rigotto (UFC), Guilherme Franco Neto (Presidência Fiocruz), ambos integrantes da diretoria da Associação, por André Burigo (EPSJV/Fiocruz), da coordenação do Grupo Temático Saúde e Ambiente (GTSA/Abrasco), e por André Monteiro (CPqAM/Fiocruz) e Marcos Menezes (Fiocruz). “O que se constata é o agravamento dos conflitos por terra e água, mas também a força e a beleza de povos que resistem e dão vida a um outro Brasil, um país que não aparece na grande mídia, mas que porta sementes de futuro”, ressaltou Raquel Rigotto, que ofereceu os conhecimentos consolidados pelos GTs da Abrasco na construção de um documento científico de denúncia, como foi com o Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. “Um dos encaminhamentos que se esboça é a construção compartilhada de um Dossiê Águas, que traga elementos para a incidência dos movimentos no Fórum Mundial, no Fórum Alternativo e em outras ações onde a construção desse Dossiê possa participar ativamente, envolvendo outras associações científicas para além da Abrasco, somando forças com geógrafos, geólogos, engenheiros sanitaristas que também podem e querem dar suas contribuições à questão da água tanto no campo como na cidade”, ressaltou a pesquisadora e dirigente. Confira outras informações e vídeos na rede social da FASE.