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Abrasco se posiciona sobre o programa “Agora tem Especialistas”


O programa “Agora tem Especialistas” tem se constituído como carro-chefe da gestão do ministro Alexandre Padilha à frente do Ministério da Saúde. O diagnóstico do gargalo existente na chamada atenção especializada do sistema público de saúde brasileiro não é novo. O que parece ser uma novidade é tornar o enfrentamento desse gargalo a principal prioridade da atual gestão do ministério.

Diminuir as filas no acesso a especialistas no SUS é um objetivo inatacável sob qualquer ponto de vista. O programa que está sendo lançado é, certamente, aquele que aborda o tema de modo mais abrangente em relação às iniciativas anteriores. Entre outros aspectos, indicam essa abrangência a inclusão de modificações na formação médica e a promessa de integração com a Atenção Primária à Saúde (APS).

O investimento na rede básica de saúde é fundamental — não apenas como melhoria da porta de entrada do sistema — mas, sobretudo, por reconhecer a APS como eixo estruturante da rede, reguladora do acesso à Atenção Especializada (AE) e coordenadora do cuidado. No contexto do programa “Agora Tem Especialistas”, a qualificação da APS deve ser entendida como condição estratégica para garantir resolubilidade, evitar encaminhamentos desnecessários e assegurar que os fluxos entre os níveis de atenção aconteçam de forma efetiva e responsável. Portanto, além de reduzir filas e o tempo de espera, tem-se o desafio de reorganizar o cuidado a partir das necessidades reais das populações e de seus territórios.

Ainda em relação às tentativas anteriores no enfrentamento desse gargalo, vale mencionar a existência atual de ferramentas tecnológicas poderosas como aliadas do programa. Dentre elas destacam-se os programas de saúde digital, capazes, entre outras dimensões, de viabilizar a interoperabilidade dos níveis de atenção à saúde, bem como o acompanhamento do programa pelo controle social do SUS.

O programa prevê um aprofundamento das antigas relações do SUS com o setor privado. Portanto, neste aspecto, não se trata de inaugurar uma prática, mas de aumentar a sua abrangência, estabelecer novas normas para esse relacionamento e iniciar novas modalidades de relacionamento. Dentre essas, a que tenta resolver a inadimplência do setor privado para com o SUS, consequente à extensa judicialização de ressarcimento e das dívidas, há muito acumuladas.

A despeito da relevância de seu objeto e da oportunidade de seu enfrentamento, há uma série de aspectos sobre o programa que merecem atenção e que podem se constituir em riscos para o seu desenvolvimento. Os três mais importantes estão relacionados à remuneração do SUS para o setor privado. O primeiro, diz respeito ao modelo de pagamento por serviços prestados, mais especificamente, por unidade de serviços, que não permite um controle capaz de defender o setor público de abusos e, inclusive, de malfeitos realizados pelo setor privado. Outro aspecto sensível será o modo de precificação de uma “unidade de dívida” devida pelo setor privado a uma ‘unidade de serviço’ paga pelo SUS. Finalmente, o terceiro refere-se à necessária construção de mecanismos sólidos de prevenção de que o atendimento a pacientes do SUS seja de pior qualidade que os ofertados aos pacientes privados.

É também um desafio importante construir metodologia para o monitoramento do programa a fim de se obter segurança quanto aos resultados alcançados, visto o investimento significativo de recursos nesta proposta. Também é importante que se esteja atento para que a interoperabilidade de dados de que trata o Programa venha a ser compatível com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), para se evitar abusos quanto aos direitos dos usuários.

A questão da comunicação e divulgação torna-se relevante objetivando difundir o programa no território brasileiro, com suas regiões de saúde, unidades da federação e municípios. Necessário orientar e padronizar a implementação do programa segundo a complexidade das unidades de saúde (públicas e privadas) em municípios de porte bastante heterogêneos.

Cabe ao Ministério desenvolver robustos mecanismos de auditoria e controle social. Vale destacar que há um desequilíbrio na representatividade do comitê de acompanhamento com predomínio de entidades do setor privado – é preciso prever e descrever melhor como se dará o controle social, principalmente nos níveis estadual e municipal.

Por fim, é preciso que essas iniciativas que vigorarão até 2030 não se constituam em obstáculo para o fortalecimento da rede própria de atenção especializada já constituída no SUS. 

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) reitera o seu compromisso em contribuir para o aperfeiçoamento do Programa, mobilizando o vasto conhecimento acumulado de seus associados sobre o tema e o fazendo de forma crítica e independente em favor do aperfeiçoamento do SUS e aumento do bem-estar da população brasileira.

Rio de Janeiro, 20 de junho de 2025

Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)



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