As organizações da sociedade civil e sociedades médicas, brasileiras e internacionais, abaixo assinadas vêm mostrar extrema preocupação diante da Portaria 263/2019, do , publicada no Diário Oficial da União, em 25 de março1, que cria um “Grupo de Trabalho – GT para avaliar a conveniência e oportunidade da redução da tributação de cigarros fabricados no Brasil, e, assim, diminuir o consumo de cigarros estrangeiros de baixa qualidade, o contrabando e os riscos à saúde dele decorrentes”.
As signatárias discordam firmemente da proposta de reduzir tributos sobre produtos de tabaco.
A tributação de produtos de tabaco e a eliminação de todas as formas de comércio ilícito desses produtos são medidas previstas na Convenção Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), primeiro tratado internacional de saúde pública, ratificado por 181 países, inclusive pelo Brasil (Decreto 5.658/2006).
A questão tributária e a questão do contrabando de cigarros devem ser devidamente enfrentadas pelo poder público, e em momento algum a ameaça do contrabando deve inibir a adoção de políticas de saúde pública para a redução do tabagismo.
É preciso destacar que não se aplica o critério de qualidade a produtos de tabaco. O cigarro, legalizado ou contrabandeado, provoca um grave dano sanitário e social, gerando milhares de mortes no Brasil e milhões de mortes no mundo, anualmente. Em 2017, foram 7 milhões de mortes. O tabaco causa a morte de 50% de seus consumidores regulares.
É incontroverso que todos os produtos de tabaco, legalizados ou não, causam forte dependência e mais de 50 doenças e risco de morte, o que justifica que deve ser um produto rigorosamente regulado.
No tocante à tributação, estudos nacionais e internacionais , e a própria experiência2 brasileira, mostram que o aumento de preços e impostos é considerado a medida mais custo-efetiva para prevenção e redução de consumo de cigarros, e a medida está prevista no artigo 6º, da CQCT.
O Instituto Nacional do Câncer – INCA/Ministério da Saúde aponta estudos que indicam que um aumento de preços na ordem 10% é capaz de reduzir o consumo de produtos derivados do tabaco em cerca de 8% em países de baixa e média renda, como o Brasil. As evidências científicas demonstram ainda que o aumento dos preços contribui para estimular os fumantes a deixarem de fumar, assim como para inibir a iniciação de crianças e adolescentes.
A fórmula é simples: quanto mais caro o produto, mais difícil o acesso. Dessa forma, evita-se a iniciação de novos fumantes (em geral, crianças e adolescentes) e estimula-se a cessação do tabagismo.
No Brasil, foi adotado um aumento progressivo de impostos entre 2011 e 2016, que resultou em uma queda significativa da prevalência de fumantes, passando de 14,8% para 10,2%, respectivamente. Porém não foi estabelecida uma política fiscal escalonada para os anos subsequentes.
O preço mínimo dos cigarros no Brasil é muito baixo frente ao mercado mundial. De acordo com o Atlas do Tabaco , o preço da marca mais vendida de cigarro no país, 3 ajustado pelo poder de compra da população, é praticamente a metade do que é praticado em outros países. Em alguns casos, chega a ser até um quinto.
No tocante ao mercado ilícito de produtos de tabaco, notadamente cigarros, a própria CQCT reconhece, no artigo 15.1, que a eliminação de todas as formas de comércio ilícito de produtos de tabaco – como o contrabando, a fabricação ilícita, a falsificação – e a elaboração e a aplicação, a esse respeito, de uma legislação nacional relacionada e de acordos sub-regionais, regionais e mundiais são componentes essenciais do controle do tabaco.
A estimativa da proporção de cigarros ilegais consumidos no Brasil em 2017 foi de 38,5% do consumo total de cigarros. Para o enfrentamento desse reconhecido 4 problema, é fundamental a implementação no Brasil do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Tabaco, instrumento legal ratificado pelo país por meio do Decreto 9.516/2018, que prevê a adoção de medidas que envolvem iniciativas em âmbito nacional, esforços diplomáticos entre países fronteiriços, ações coordenadas de inteligência e fiscalização, bem como outras iniciativas que visam reduzir o comércio ilícito de produtos de tabaco.
Para tanto, foi criado o Comitê para Implementação do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco, por meio do Decreto 9.517/2018, no âmbito da CONICQ – Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos, criada pelo Decreto Presidencial de 1º de agosto de 2003.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública é membro da CONICQ e deste Comitê, como se depreende dos respectivos decretos mencionados.
Merece destaque o fato de que o Paraguai, no ano passado, por meio de autoridades sanitárias do país, manifestou intenção de atuar mais ativamente em controle do tabaco e no combate ao contrabando de cigarros, o que indica uma oportunidade para o Brasil e toda a região.
O custo do tabagismo atinge R$ 56,9 bilhões por ano no país5 , o equivalente a quase 1% do PIB anual. Este custo é cerca de quatro vezes superior ao que se arrecada com os tributos sobre produtos de tabaco no mesmo período. Neste sentido, adotar novas políticas fiscais de aumento de impostos federais e estaduais incidentes sobre tabaco trará benefícios sanitários e econômicos.
Assim, é a presente carta aberta para requerer a V.Exa. que revogue a Portaria 263/2019, do Ministério da Justiça, e que as autoridades das áreas da saúde, economia e finanças atuem para aumentar os preços e tributos dos produtos de tabaco, e que seja efetivamente implementado o Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Tabaco no país, por meio do Comitê para Implementação do Protocolo para Eliminar o Comércio Ilícito de Produtos do Tabaco.
Só assim agiremos com coerência aliando medidas econômicas, sanitárias e de segurança pública em prol dos interesses do país e da população brasileira.
ENTIDADES SIGNATÁRIAS:
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
ACT Promoção da Saúde
Action on Smoking and Health US – ASH
Alianza Antitabaco Ecuador
Alianza Bolivia Libre de Tabaco
Alianza Enfermedades No Transmisibles (Perú)
Alianza Juvenil Antitabaco Ecuador
Amercian Cancer Society
Associação Brasileira de Estudos de Álcool e Outras Drogas – ABEAD
Associação Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar – AHF
Associação Brasileira de Portadores de Câncer – AMUCC
Associação Nossa Casa
Campaign for Tobacco Free Kids _CTFK
Centro Brasileiro de Estudos sobre Tabaco e Saúde – CEBES
Centro de Apoio ao Tabagista – CAT
Centro de Estudos de Tabaco CETAB
Centro de Investigación para la Epidemia del Tabaquismo – CIET (Uruguay)
Centro de Promoção da Saúde – CEDAPS
Chile Libre de Tabaco
Coalición México SaludHable
Comisión Nacional Permanente de Lucha Antitabaco – COLAT (Perú)
Corporate Accountability
Educar Consumidores (Colombia)
Fórum de Tuberculose do Rio de Janeiro
Framework Convention Alliance – FCA
Fundação Interamericana do Coração – FIC Brasil
Fundación Anaás (Colombia)
Fundación Ecuatoriana de Salud Respiratoria – FESAR
Fundación Ellen Riegner de Casas (Colombia)
Fundación InterAmericana del Corazón Argentina
Fundación InterAmericana del Corazón Bolivia
Gênero Mulher Desenvolvimento e Ação para a Cidadania – GEMDAC
Grupo de Cessação de Tabagismo da Divisão de Pneumologia do Incor HC-FMUSP
Instituto Desiderata
Instituto Oncoguia
InterAmerican Heart Foundation
International Union Against Tuberculosis and Lung Disease
Mesa Colombiana de Incidencia en Enfermedades Crónicas
Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo – IDT/UFRJ
Programa de Controle do Tabagismo do Hospital de Messejana- CE
Red Nacional Antitabaco – RENATA (Costa Rica)
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica – SBOC
Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia – SBPT
Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Estado do Rio de Janeiro – SOPTERJ
Sociedade Paulista de Pediatria – SPP
Superintendência de Vigilância em Saúde/ Coordenação de Doenças e Agravos Não
Transmissíveis/ Gerência de Vigilância Epidemiológica- SUVISA- SES-GO.
The Union
Vital Strategies
Referências:
1 – Portaria Nº263, de 23 de março de 2019 – http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/68561661
2 – Pichon-Riviere A, Augustovski F, Bardach A, Colantonio L. for the LatinCLEN Tobacco Research Group. Development and Validation of a Microsimulation Economic Model to Evaluate the Disease Burden Associated with Smoking and the Cost-Effectiveness of Tobacco Control Interventions in Latin America. Value Health. 2011 Jul-Aug;14(5 Suppl 1): S51- S65
4 – http://bit.ly/VigitelIlicito2017
5 – Pinto M, Bardach A, Palacios A, Biz AN, Alcaraz A, Rodríguez B, Augustovski F, Pichon-Riviere A. Carga de doença atribuível ao uso do tabaco no Brasil e potencial impacto do aumento de preços por meio de impostos. Documento técnico IECS N° 21. Instituto de Efectividad Clínica y Sanitaria, Buenos Aires, Argentina. Maio de 2017. Disponível em: https://www.iecs.org.ar/tabaco.