Diante do debate público provocado pela divulgação do texto acadêmico “The walls spoke when no one else would: Autoethnographic notes on sexual-power gatekeeping within avant-garde academia”, publicado no livro Sexual Misconduct in Academia: Informing an Ethics of Care in the University (Má conduta sexual na Academia – Para uma Ética de Cuidado na Universidade) (Routledge 2023), a Abrasco e as entidades abaixo assinadas vêm expressar seu total repúdio a qualquer situação de abuso de poder, assédio moral, sexual e outras formas de violência em ambientes acadêmicos, ao tempo em que se solidariza com todas as vítimas/sobreviventes deste tipo de violência.
As autoras do capítulo descrevem práticas que, longe de serem episódicas e individuais, são decorrentes de desigualdades estruturais na distribuição de poder e de recursos, com base em hierarquias e divisões de classe, gênero, raça e nacionalidade, as quais podem atingir os homens, mas vulnerabilizam sobretudo as mulheres, em especial as jovens, as que têm filhos pequenos, as negras e indígenas, e as provenientes de países do sul global.
Reconhecendo-se como protagonista dos “casos de conduta inadequada” descritos e analisados no referido texto e não identificados nominalmente, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, publicou uma nota na qual considera as acusações um “ato miserável de vingança institucional e pessoal” e anuncia a intenção de apresentar uma queixa crime por difamação contra as autoras.
Considerando que o assédio e a violência de gênero e raça contra as mulheres se encontram naturalizados na sociedade brasileira, entendemos ser urgente e necessário refletir sobre os mecanismos que produzem e reproduzem as condições de desigualdades sociais nas nossas instituições acadêmicas, marcadas pelo androcentrismo e machismo desde a sua constituição.
Ainda que seja preciso assegurar o direito à ampla defesa dos denunciados por assédio, no âmbito judicial e legal, não é aceitável naturalizar estas práticas, desqualificando e desestimulando as denúncias, e protegendo os assediadores que usam argumentos recorrentes de desqualificação de quem os denuncia. Além de todo o sofrimento mental causado, que frequentemente perdura por muito tempo, este tipo de violência tem impactos sobre as carreiras de quem a sofre, o que muitas vezes desestimula a denúncia e o enfrentamento institucional pelas vítimas/sobreviventes.
É preciso, portanto, criar canais de denúncia e acolhimento, estimular o debate institucional para o estabelecimento de regras de convivência respeitosas, incluir estes conteúdos nas disciplinas e cursos, de modo a promover e contribuir para a geração de um ambiente de aprendizado e trabalho mais igualitário e livre de todas as formas de violência e assédio.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia – ISC/UFBA