Os passos estão sendo dados, mas é preciso estratégia. Essa é a opinião de pesquisadores e movimentos sociais sobre os cinco anos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que mesmo em que pese os avanços alcançados, exigem engajamento em todas as esferas da Federação para a aplicação real da transversalidade da política, visando o direito à saúde como um todo, seja para negros, negras, pardas, brancos, jovens, idosos e crianças.
Às vésperas do dia da Consciência Negra, o Ministério da Saúde divulga boas notícias. O módulo de educação à distância específico para a aplicação da PNSIPN, lançado em 22 de outubro, já conta com 2,4 mil profissionais de saúde inscritos e 11 trabalhadores já obtiveram seus certificados. Os números são acima das expectativas, segundo as secretarias de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) e de Gestão do Trabalho e de Educação na Saúde (SGTES), responsáveis pelo programa de treinamento em parceria com a Universidade Aberta do SUS (Unasus).
Outro ponto destacado foi o volume de propostas encaminhadas para aprovação pelo edital n.21/2014, voltado para Saúde da População Negra e lançado no final de agosto pelo MS em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Do total de 89 trabalhos inscritos, 12 trazem temas voltados à ‘Política Nacional de Saúde Integral da População Negra’; cinco querem discutir o ‘Racismo Institucional’; 44 abordam ‘Situações de risco, agravos e incapacidades’; 26 falam sobre ‘Estratégias de promoção da saúde e qualidade de vida para a população negra’ e outros dois tratam do ‘Racismo no Brasil’. Os resultados serão divulgados a partir de 21 de novembro.
CNS: A temática também esteve em pauta na última reunião do Conselho Nacional de Saúde, nos dias 6 e 7 de novembro. Maria Zenó Soares da Silva, Conselheira do CNS e representante da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (FENAFAL), e Maria Inês da Silva Barbosa, doutora em Saúde Pública pela USP e consultora nacional da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS/OMS), apresentaram aos demais conselheiros aspectos relacionados à luta contra a doença falciforme e contra o racismo institucional. O debate contou também com João Paulo Baccara, coordenador geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, onde está alocada a política voltada para doenças falciforme.
Para Maria Zenó Soares, o debate sobre a saúde da população negra não pode estar preso a ritos de calendário. “Apesar de já ter sido pactuada, ainda falta participação dos estados e dos municípios em assumirem essa questão e colocar pessoas que tenham o compromisso de enfrentar e combater o racismo à frente das ações”. Maria destaca que o racismo é tão grave quanto a fisiopatologia da patologia genética mais comum no país e que atinge a cerca de 40 mil brasileiros. “O mais triste é a sociedade em geral não saber nada sobre a doença e, ao chegar nos serviços de saúde, os funcionários não acreditarem no relato da dor”, reforçou ela.
A doença falciforme é termo genérico para um grupo de desordens genéticas cuja característica principal é a herança do gene da hemoglobina S (gene ßs – beta S), que, em determinadas circunstâncias, faz as hemácias adquirirem o formato de foice. A forma mais comum e grave da doença é a homozigótica SS, que é denominada anemia falciforme ou depranocitose (Hb SS). Em 2014, 136 pessoas, a maioria mulheres negras, morreram devido à doença. “A invisibilidade é tão grande que esse fato sequer é comentado nos meios de comunicação”, denuncia Maria Zenó. Segundo a ativista, o Ministério acenou com a possibilidade de liberar o transplante de medula óssea como protocolo de tratamento para os acometidos pela anemia falciforme.
Já Maria Inês da Silva Barbosa apresentou o estudo Mapeamento como instrumento de gestão: territorialização da política de saúde integral da população negra, no qual levantou quais municípios brasileiros têm alta potencialidade para a implementação imediata da PNSIPN a partir de diversos critérios, como a existência de secretaria/coordenadoria ou alguma unidade de promoção da diversidade racial e participação em demais programas e políticas públicas do setor saúde, cultura e educação. O objetivo é propor instrumentos para aproximar e potencializar as ações e envolver os gestores.
“Temos diversas ações, mas não a implementação da PNSIPN não está ocorrendo primeiramente pela falta de compreensão do que é uma política transversal”, aponta Maria Inês. Segundo a pesquisadora, políticas nacionais transversais têm de entrar para o conjunto das ações do Ministério como um todo. Cita o caso dos Mais Médicos, principal política hoje desenvolvida pelo Ministério e que, justamente por atender principalmente a população negra e pobre do país, deveria estar “completa afinação para pensar o perfil epidemiológico da população negra e pensar o perfil daqui a três anos”, completou.
Academia e gestão: A mesma avaliação é compartilhada por Luis Eduardo Batista, pesquisador do Instituto de Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo (IS/SES-SP) e vice-coordenador da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco e que no último Congresso Brasileiro coordenou o eixo racismo, homofobia e outras formas de discriminação social: repercussões na saúde. “Sabe-se que aproximadamente 13 Estados têm um coordenador da Política, mas se desconhece quantos municípios têm uma área técnica ou um responsável pela sua implementação. Não se conhece que ações, intervenções e propostas são realizadas por estes gestores. Logo, não sabemos como esta sua implementação”, frisou.
Batista destacou ainda a necessidade de avançar na formação dos profissionais para a temática Saúde da População Negra, tanto nos cursos de graduação quanto na educação permanente. “As doenças prevalentes na população negra, como a hipertensão arterial, merecem um pouco mais de atenção, pois há evidencias científicas, mas não são comprovadas, não se dá condições à população e aos profissionais darem melhor direcionamento as necessidades deste grupo populacional-racismo institucional”, destacou ele, afirmando que é fundamental uma melhor afinação entre academia e gestão para alcançar um novo patamar social. “Para avançar na implementação da PNSIPN, é necessário avançar na visão estratégica sobre a política e a gestão em saúde como um todo. Nosso questionamento deve apontar para o debate sobre o direito universal à saúde e sobre as formas de sairmos da teoria para o cotidiano da vida das pessoas. Isso exige um componente ético de todos, sejam gestores, acadêmicos ou trabalhadores. Devemos prezar pela equidade, o que leva a compreensão da vulnerabilidade e o enfrentamento às discriminações históricas e as relações de poder inscritas socialmente em nosso país.”
Maria Inês acredita que só uma vontade política desracializante profunda, que compreenda e encare o racismo como um componente da determinação social em saúde e torne esta e outras políticas transversais de fato integrantes da Saúde Pública brasileira pode trazer melhorias para a saúde das populações. “Há uma linguagem para dentro da PNSIPN que não conversa com as demais e isso tem de acabar. Senão, o combate ao racismo institucional acaba virando apenas um slogan”.