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Ágora Abrasco discute trabalho em casa: “a pandemia não é democrática e nem igualitária”

O painel O trabalho mudou-se para a casa: consequências na saúde, indicadores para monitoramento das exposições e desfechos e perspectivas de intervenção da Ágora Abrasco aconteceu no dia 9 de julho e trouxe reflexões sobre os novos padrões, temporal e espacial, de trabalho. A atividade contou com as participações de Estela Aquino, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia e integrante do GT Gênero e Saúde da Abrasco; Tânia Araújo, coordenadora do Núcleo de Epidemiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (NEPI/UEFS); e Elaine Marqueze, professora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da Universidade Católica de Santos (PPGSC-Unisantos). A coordenação foi de Ada Assunção, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM/UFMG). Com velhos ou novos padrões, o painel de vozes femininas revelou o que já era possível presumir: “a pandemia não é democrática e nem igualitária”, nas palavras de Estela Aquino.

A professora da UFBA pontuou que as questões relacionadas ao trabalho em casa não são novas, mas que atualmente estamos falando do trabalho profissional, produtivo, mas não podemos nos esquecer do “trabalho reprodutivo, feito quase que exclusivamente em casa e realizado majoritariamente por mulheres, cuidando da casa e da família, e não remunerado. E também do trabalho doméstico, com recorte de gênero, raça e classe no Brasil”, disse.

Sobre desigualdade de gênero, Estela Aquino, que participa da Rede CoVida: Ciência, Informação e Solidariedade, projeto de colaboração científica multidisciplinar focado na pandemia do novo coronavírus, afirmou que a questão da desigualdade é anterior à pandemia, mas que se agrava, ressaltando que mulheres são a maioria dos profissionais de saúde, expostos na linha de frente do enfrentamento à Covid-19, como as técnicas de enfermagem, por exemplo. Sobre produção científica, a pesquisadora afirmou que os vieses de gênero afetam a pesquisa. Mostrando dados de estudos, a pesquisadora disse que, com a aceleração da produção científica na pandemia, homens estão publicando mais que mulheres. A disparidade de gêneros no trabalho afeta não só as mulheres cientistas que desenvolvem atividade profissional em casa na pandemia, mas todas as mulheres, principalmente as jovens, com filhos pequenos, e que estão sem poder contar com rede de solidariedade, como avós, e com o trabalho doméstico. A pesquisadora mostrou, entretanto, que o problema não acomete só mulheres jovens, pois as mais velhas podem estar cuidando de pais idosos, por exemplo.

Tânia Araújo disse que “o trabalho foi obrigado a buscar novo endereço”, em casa, e fez considerações sobre teletrabalho, trabalho remoto e o termo em inglês home office. Em tempos de pandemia, no trabalho em casa, a condição é de intimidade desprotegida, pois “a casa se viu forçada a virar espaço público” e há a perda das fronteiras entre a vida pessoal e a vida profissional, com as pessoas tendo de lidar com a falta de estrutura e de convívio com os colegas. Nem todas as atividades permitem o trabalho remoto, contudo, há uma diferença expressiva de escolaridade entre os que conseguem trabalhar em casa. “Quanto maior a escolaridade, mais trabalho remoto”, afirmou a professora.

Sobre gênero, Tânia Araújo mostrou a alta sobrecarga doméstica entre as mulheres, situação anterior à pandemia e que tende a se agravar, e que “a Covid-19 expõe como o funcionamento do mercado de trabalho se articula exigindo mais trabalho das mulheres que dos homens”, pontuou, perguntando: “Será o trabalho remoto mais um marcador de exclusão do mercado de trabalho?”.

As professoras demonstraram preocupação com a saúde mental em tempos da Covid-19. Para Estela Aquino, a pandemia gera impactos sobre a saúde física e mental, com o aumento de quadros de ansiedade e depressão. Tânia Araújo explicou que estamos em um momento de adoecimento psíquico bastante expressiva, com alta prevalência entre mulheres. “Temos que tentar ser otimistas, para manter a vida e a saúde mental”, ressaltou.

Elaine Marqueze falou sobre os distúrbios do sono, problemas também anteriores, mas que tendem a se agravar durante a pandemia. Os horários diferentes, a menor exposição à luz natural e as irregularidades dos ciclos vigília-sono e claro-escuro causam efeitos à nossa saúde. “As mudanças nos horários de trabalho, escola e refeições, por exemplo, são sinalizadores externos para nossos ‘relógios’ internos, e temos perdido esses horários durante a pandemia”, assinalou.

A professora fez recomendações para evitar distúrbios do sono, não só em tempos de pandemia. “A cama e o quarto são para dormir e não para fazer refeições, usar aparelhos eletrônicos e fumar, por exemplo. Deve-se evitar bebidas alcoólicas ou à base de cafeína e notícias desagradáveis, sempre tentando manter a regularidade dos horários”, explicou.

De acordo com Elaine Marqueze, estudos mostram que as pessoas que estão trabalhando em casa até estão conseguindo dormir mais, mas que o sono não tem qualidade. A professora apontou ainda que, em tempos de pandemia, a insônia é mais prevalente em mulheres mais jovens.

Depois das apresentações, as painelistas responderam aos questionamentos dos participantes, entre eles Anaclaudia Fassa, professora da UFPel e diretora da Abrasco, e Gulnar Azevedo e Silva, professora da UERJ e presidente da entidade. Gulnar Azevedo parabenizou as mulheres da Saúde Coletiva, as que compuseram o painel e as que trabalharam nos bastidores para que ele acontecesse. “Os tempos estão muito difíceis para a gente ser pessimista, a situação é muito grave, e já estava muito grave”, disse. “Nossa preocupação é com quem não tem oportunidades, quem não tem proteção social. Precisamos fazer uma comunicação que chegue a essas pessoas, a essas mulheres. Nosso trabalho é pensando nelas, obrigada pela força”, concluiu a presidente da Abrasco.

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