Desde às 11h00 desta quarta-feira 19 de novembro, manifestantes ocupam o vão livre do Museu de Arte de São Paulo – MASP num protesto contra o elevado número de mortes por AIDS no Brasil. Entre os manifestantes está o abrasquiano Mario Sheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP ‘A persistência da mortalidade nesses patamares é sinal da falência do Programa Brasileiro de Combate à AIDS. Que o governo ouça esse manifesto da sociedade civil!’, disse Sheffer ao site da Abrasco.
O protesto, organizado pelo Fórum de ONG-Aids do Estado de São Paulo, acusa Ministério da Saúde de negligência. Os manifestantes levam dezenas de cruzes até o escritório da Presidência da República, em São Paulo. Confira o Manifesto:
MANIFESTO DAS ONGS AIDS DE SÃO PAULO. AIDS: MAIS DE 12.000 MORTOS POR ANO NO BRASIL! É DESUMANO, É INADMISSÍVEL, É INACEITÁVEL. PRESIDENTE DILMA, NÃO DEIXE O PROGRAMA DE AIDS MORRER!
Atualmente, a cada duas horas, três pessoas morrem de aids no Brasil. São mais de 33 mortes por dia. A situação, inadmissível, revela a insuficiência do programa brasileiro de combate à aids. Para se ter uma noção dessa tragédia de saúde pública, basta analisar o número de mortes proporcionalmente à população brasileira.
A taxa de mortalidade de aids por 100 mil habitantes em 2012 (último dado disponível) foi de 6,2 óbitos. Há sete anos, em 2006, a taxa era menor: 5,9 por 100 mil habitantes. Desde o ano de 2001, quando o Brasil registrou 10.942 mortes (o menor patamar da história) o número de mortes aumentou ou estacionou em altíssimos patamares.
Em algumas Regiões a situação é ainda mais dramática. Na região Norte, de 2001 até hoje, o número de mortes por aids aumentou 4,1 vezes. No Sul, a epidemia já é considerada generalizada, tamanha a incidência de HIV na população. Da mesma forma, hoje a taxa de novos casos de aids no Brasil está , injustificadamente, nos mesmos patamares de 1996.
Por que esses números são inaceitáveis?
Todo ano, quando se aproxima o Dia Mundial de Luta Contra a Aids (1º de dezembro) o Ministério da Saúde divulga dados “comemorando” a “estabilidade” do número de mortes. Alguns Estados e municípios chegam até a comemorar a “redução” das mortes. Trata-se de manipulação da realidade por meio da divulgação seletiva de dados absolutos.
Nos dias de hoje, essa suposta “normalidade” do número de mortes é inaceitável. Em 1997, no primeiro ano após o início da distribuição do coquetel de medicamentos anti-HIV na rede pública, 12.078 pessoas morreram de aids no Brasil. Quinze anos depois, na contramão do que tem acontecido em vários países, o número de mortos no Brasil não reduziu, é exatamente o mesmo : foram 12.078 mortes em 2012.
Tais números demonstram a falência do programa brasileiro de aids, que não soube aproveitar os conhecimentos e as tecnologias existentes no mundo, deixou de investir em prevenção e piorou a qualidade da assistência na rede pública. Todas as evidências demonstram que as pessoas que têm acesso ao teste de HIV, recebem o diagnóstico no tempo oportuno e iniciam o tratamento adequado, apresentam uma expectativa de vida próxima de pessoas não infectadas pelo HIV.
Pois no Brasil, por negligência da política pública, as pessoas com HIV apresentam risco de morrer 10,7 vezes maior que a população geral brasileira. Os dados mundiais comprovam que o Brasil está parado na contramão. Em 2013, o UNAIDS (programa de Aids das Nações Unidas) anunciou a redução do número de mortes por aids em todo o mundo, de 1,9 para 1,6 milhões de mortes por ano entre 2001 e 2012.
Por que tanta gente ainda morre de aids no Brasil?
Principalmente por quatro motivos:
1- Grande parte das mortes por aids no Brasil está relacionada ao diagnóstico tardio da infecção pelo HIV. Uma a cada cinco mortes por aids ocorre antes da pessoa com HIV completar um ano após o diagnóstico. Para esses cidadãos, que não tiveram oportunidade de fazer o teste e iniciar o tratamaneto, a aids é uma sentença de morte, tal como na década de 1980, quando não existia tratamento.
2- Muitas pessoas também morrem hoje devido a piora da qualidade dos serviços que atendem aids no país. Há demora absurda entre o teste positivo e a primeira consulta, e há falhas no acompanhamento clínico dos pacientes. Para piorar, o governo federal decidiu, equivocadamente, pelo deslocamento do tratamento da aids para as unidades básicas de saúde e atenção primária.
3- O aumento da oferta de testes de HIV não se refletiu igualmente na identificação de pessoas infectadas. Isso porque as campanhas de incentivo ao teste são feitas visando publicidade do Ministério da Saúde e secretarias de saúde. Dirigidas ao público em geral, não chegam até as pessoas que são mais vulneráveis à infecção pelo HIV.
4- O governo federal fez aliança com políticos e setores religiosos conservadores, censurou e não retomou campanhas dirigidas às pessoas mais vulneráveis, a exemplo dos homossexuais e profissionais do sexo, populações que, por serem discriminadas e terem seus direitos violados, têm maiores taxas de infecção pelo HIV e de mortalidade por aids.
O que nós queremos, ONGs e pessoas que vivem com HIV?
Queremos mudanças na condução do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.
Queremos que nossas reivindicações a seguir sejam implementadas:
Ampliação e melhoria dos serviços do SUS, especializados em HIV-Aids
Respeito ao Estado laico com retomada das campanhas governamentais de prevenção dirigidas às populações mais vulneráveis, com conteúdos contra o estigma e a discriminação, conforme Recomendações da Organização Mundial da Saúde
Retomar a promoção dos Direitos Humanos tanto na oferta de tratamento como na oferta da prevenção, respeitando a autonomia das pessoas
Ampliação da oferta do teste de HIV para populações mais vulneráveis e tratamento em tempo oportuno
Plano com metas claras de redução de novas infecções e do número de mortes por aids no Brasil
Respeito e valorização das ONGs e movimentos da sociedade civil, como parceiros fundamentais da luta contra a aids no Brasil.
Chega de retrocessos!
Presidente Dilma, não deixe o programa brasileiro de aids morrer!
Fórum de ONG-Aids do Estado de São Paulo. 19 de novembro de 2014