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Agrotóxicos: STF adia julgamento da ADI 5553

Hara Flaeschen | Informações da Agência Pública

O Supremo Tribunal Federal (STF) deveria julgar, na última quarta-feira (19/02), se os benefícios fiscais concedidos às empresas que produzem e comercializam agrotóxicos no Brasil são constitucionais.  Entretanto, o presidente do STF, Dias Toffoli, decidiu adiar a sessão, porque os ministros deveriam comparecer na posse da nova presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Cristina Peduzzi,  no mesmo dia.

A Associação Brasileira de Saúde Coletiva participa do trâmite da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 como amicus curiae (amigos da corte), e contribuiu com a produção do relatório “Uma política de Incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é injustificável e insustentável”. O documento desenvolvido pelo GT Saúde e Ambiente – em parceria com pesquisadores da Fiocruz e Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRRJ) apontou que quase R$ 10 bilhões por ano são concedidos em isenções fiscais  às gigantes do agrotóxico.

Enquanto no Brasil se discute o incentivo do Estado aos agrotóxicos, outros países aplicam impostos mais expressivos para os mais perigosos. É o que sugere uma matéria da  Agência Pública, que entrevistou Wagner Soares, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e um dos autores do documento da Abrasco. Wagner afirmou que “para regular e reduzir o uso de produtos como o agrotóxico, diversos países usam instrumentos econômicos”.  Leia abaixo, na íntegra*:

Por ano, o Governo Federal e os Estados deixam de arrecadar quase R$ 10 bilhões devido a um pacote de isenções e reduções de impostos, segundo levantamento da Abrasco obtido pela Repórter Brasil e Agência Pública.

Esse valor, se recolhido pelo estado, poderia ser investido na melhoria do controle dos agrotóxicos, assim como na saúde pública, como argumentam os autores da ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5.553), que levou o debate ao STF. Isso já acontece em alguns países da Europa que aumentaram os impostos sobre os produtos mais tóxicos.

A tributação que aumenta de acordo com o risco oferecido pelo pesticida existe desde a primeira metade dos anos 80 em países europeus e hoje é praticada pela França, Noruega, Suécia e Dinamarca.

Toxicidade é custo

Wagner Lopes Soares, economista e professor do mestrado da UFRRJ conta que a prática da cobrança por toxicidade é comum. “Para regular e reduzir o uso de produtos como o agrotóxico, diversos países usam instrumentos econômicos”, explica. Assim, se um produto ou setor precisa ser estimulado, ele pode receber do governo benefícios fiscais, ao contrário dos considerados prejudiciais, que geram um custo para o estado. É o caso do cigarro, por exemplo, que é taxado devido aos gastos que gera para a saúde. No caso dos pesticidas, as intoxicações e doenças relacionadas a elas também sobrecarregam o sistema de saúde.

No Brasil, onde o agrotóxico ainda é um produto incentivado por meio de isenções, já há pesquisas que mostram os seus custos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública feito por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz, entre eles Soares, revela que, para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no estado do Paraná, são gastos U$$ 1,28 no SUS com tratamento de intoxicações agudas — aquelas que ocorrem logo após a aplicação. O cálculo não leva em conta o custo das doenças crônicas, aquelas que aparecem ao longo do tempo, como o câncer.

Esse gasto poderia ser coberto pela taxação dos pesticidas, como ocorre na Suécia. “Por meio dessa cobrança maior de impostos para produtos mais tóxicos, a Suécia decidiu que o valor arrecadado com tributos seria revestido para incentivar políticas de transição agroecológica. Projetos que investem em um tipo de produção de alimentos que não tenha tantos impactos ambientais e na saúde”, explica Soares, um dos autores da pesquisa.

Na Dinamarca, políticas de isenção por toxicidade existem desde 1996. Em 2013, a política foi atualizada para avaliar de modo diferente os riscos agudos, aqueles onde os sintomas de intoxicação aparecem em até 24 horas, e o risco crônico, quando os sintomas aparecem com o passar de anos, como doenças cancerígenas. Além disso, é ponderado também o risco ambiental do produto.

“Acredito que no Brasil precisaríamos de algo semelhante ao feito na Dinamarca, que analisa diversos riscos. Por aqui temos misturas de agrotóxicos, e produtos muito usados como o Glifosato, que não apresenta fortes consequências agudas, mas por outro lado traz riscos cancerígenos”, opina o pesquisador.

Segundo a indústria de agrotóxicos no país, o corte dos benefícios teria como impacto direto um aumento no custo da cesta básica. “A tendência é que as empresas repassem este custo extra para o produtor, que por sua vez vai embutir este valor no alimento vendido ao consumidor final”, afirma em nota a CropLife Brasil (leia na íntegra), associação que representa empresas produtoras de agrotóxicos como Basf, Bayer, Corteva, FMC e Syngenta.

Santa Catarina tentou, mas legislativo vetou

No Brasil, o estado de Santa Catarina tentou incorporar algo semelhante no ano passado, mas o texto foi barrado pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina.

A Medida Provisória proposta pelo governador Carlos Moisés (PSL) levou o nome de “Tributação Verde” e tinha como objetivo regular a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) estadual a partir do grau de toxicidade do agrotóxico.

A MP previa faixas diferentes de cobrança, começando pelos produtos biológicos, que seriam isentos da tributação. Os improváveis de causar dano agudo teriam alíquota de 4,8% do ICMS, os de pouca toxicidade 7%, moderadamente tóxicos 12% e altamente ou extremamente tóxicos pagariam 17%. Essa classificação é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) durante o processo de registro do produto.

A parte da MP que visava implantar a tributação verde foi barrada ainda na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do legislativo catarinense em setembro do ano passado. Na visão do relator, Romildo Titon (MDB), e dos demais deputados estaduais, não havia urgência na definição da tabela de cobrança do imposto por toxicidade do agrotóxico. “Mesmo não sendo aprovado, em um primeiro momento, temos que ressaltar a importância da discussão sobre os agrotóxicos. Sabemos que, por ser um tema delicado, ainda teremos muitos debates pela frente”, afirmou o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés, à reportagem.

De acordo com o estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), feito por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), dos quase R$ 10 bilhões perdidos em 2017 pelo governo com as isenções fiscais, R$ 6,2 bilhões são desonerações com ICMS que iriam para o cofre dos Estados e do Distrito Federal.

Apenas em Santa Catarina, as desonerações foram de R$ 171 milhões em apenas um ano. O valor é seis vezes maior do que o governo de SC pretendia investir no programa de Agricultura Familiar (R$ 25,5 milhões) em 2019, de acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA).

Sobre o projeto, o governador diz que o objetivo era promover a saúde pública, a preservação ambiental, e agregar valor ao produto catarinense. “É uma política de Estado inovadora que favorece a produção de alimentos mais saudáveis e auxilia no desenvolvimento de uma cultura econômica sustentável”, explicou.

Benefício no ICMS pode cair em todo país
Mas a assembleia dificilmente vai conseguir segurar essa mudança no estado. A ação que o STF julga hoje busca derrubar o benefício que reduz a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de agrotóxicos nas saídas interestaduais, além da isenção total de IPI. Mas outra votação deve chacoalhar o mercado de agrotóxicos em abril.

É quando o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) vota sobre a renovação do convênio que permite aos estados concederem isenção e reduzir a base de cálculo ICMS aos agrotóxicos.

Para que os benefícios se mantenham, é necessário unanimidade entre todos secretários estaduais de Fazenda. Se um membro do conselho se posicionar contra, o convênio não é renovado e as empresas podem perder a isenção. O secretário de Fazenda de Santa Catarina, Paulo Eli, já garantiu que vetará a renovação do convênio.

“Ano que vem será o ano da retirada nacional da isenção do agrotóxico, pois Santa Catarina vai votar contra no Confaz na prorrogação desses benefícios. Já é uma decisão tomada, então, a partir de 1º de maio do ano que vem, agrotóxico no país vai pagar imposto e isso vale para todos”, disse o Secretário em audiência na assembleia estadual em junho do ano passado.

Além do ICMS, o “pacote de benefícios” conta com privilégios na cobrança de outros impostos. Desde 2004, a Lei Federal 10.925 prevê a isenção do pagamento de tributos como o PIS/PASEP e do Cofins na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno. E, devido ao Decreto 7.660, de 23 de dezembro de 2011 os agrotóxicos têm isenção total de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Exemplo seguido no Espírito Santo

O Ministério Público do Espírito Santo estuda um projeto semelhante ao de Santa Catarina. No ano passado, órgãos de defesa do consumidor se inspiraram na Tributação Verde e estão construindo um projeto semelhante liderado pelo Fórum Espírito-Santense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos.

O projeto pretende regular a cobrança do ICMS a partir do grau de toxicidade do agrotóxico, com as mesmas alíquotas do projeto de Santa Catarina. “O debate ainda está em fase inicial. Acompanhamos os diálogos proposto nos demais fóruns estaduais, inclusive de SC, e estamos apresentando o projeto para as secretarias de Agricultura e Fazenda. Queremos levar também o projeto para os deputados estaduais”, conta a promotora Sandra Lengruber, coordenadora do Fórum.

A expectativa é que o projeto leve alguns meses para chegar ao governo. “Vamos aguardar a decisão do STF nesta semana para ver como ele vai entender a ação, e também esperar a decisão do Confaz em abril. Se o resultado não for positivo, vamos pensar em outros meios de propostas, visando principalmente benefícios para tornar os alimentos orgânicos mais baratos”, explica a promotora.

*Texto originalmente publicado pela Agência Pública.

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