Amanhã (24/6) o Senado Federal deve votar o Projeto de Lei º 4162 de 2019, que, se aprovado, pode transformar o Brasil “no primeiro país do mundo com um monopólio privado dos serviços públicos de água e esgotamento sanitário”. É o que aponta Luiz Roberto Santos Moraes, professor da Universidade Federal da Bahia e conselheiro de orientação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS). Isto é porque o PL 4162/2019, que pretende alterar o marco legal do saneamento básico – a Lei 11.445/2007, modifica cinco aspectos dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário (a uniformização da regulação, competição no acesso aos contratos, regionalização da prestação dos serviços, fixação de metas e normas de transição) permitindo a privatização desses serviços.
Dentre os pontos em discussão, uma das mudanças mais significativas é a retirada da autonomia dos estados e municípios do processo de contratação das empresas que distribuirão água para as populações e cuidarão dos resíduos sólidos. O PL fará obrigatória a abertura de licitação, o que implementa a competição do acesso aos contratos e a inserção massiva de empresas privadas, em detrimento das empresas estatais estaduais que atendem 70% da população. Para Moraes, há um princípio conceitual que deve ser considerado: “Se o serviço público é prestado por uma empresa privada, a lógica é a do lucro. Os usuários são clientes. E aos clientes vende-se mercadoria, não serviço público essencial à nossa vida”.
O especialista aponta que o atual marco legal do saneamento básico traz diversos princípios fundamentais como universalidade, integralidade, controle social e utilização de tecnologias apropriadas. A lei de 2007 estabelece funções de gestão para os serviços públicos, como planejamento municipal, estadual e nacional e a regulação dos serviços, que devem ser usados com normas e padrões. “Além disso, saneamento básico significa abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais e a limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos. O interesse deles [do setor privado] é somente no abastecimento de água e no esgotamento sanitário, o que dá lucro”, diz.
Moraes também indicou que a concessão de serviços públicos para empresas privadas e as parcerias público-privadas (PPP) já são trâmites permitidos pela lei, o que contra-argumenta a ideia dos defensores da proposta de que não há espaço para investimentos na área: ” As Leis nos 8.987/1995 e 11.079/2004 já asseguram o regime de concessão e PPP. Nada nessa proposta em discussão é sobre a prestação desse serviço em meio rural, é tudo no âmbito urbano. Por isso não contribuirão para a universalização. Estamos considerando esse projeto de lei como o estabelecimento do monopólio privado dos serviços públicos de saneamento básico, principalmente os serviços de água e esgoto, no Brasil”.
Entidades da sociedade civil também criticaram que a votação aconteça em meio à pandemia de Covid-19. A Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (ASSEMAE) defende que a proposta “deve considerar os impactos sociais e econômicos da pandemia de Covid-19, o que não está contemplado pelo Projeto de Lei 4.162/2019, cujo texto foi elaborado em um cenário anterior ao contexto atual”. Já a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) se manifestou contra o atual texto do PL 4162/2019 e solicitou aos parlamentares o adiamento da votação para um “momento mais oportuno, quando os setores interessados puderem efetivamente participar”.
A Associação Brasileira de Saúde Coletiva endossa a determinação da Organização das Nações Unidas (ONU) de que a água limpa e segura e o saneamento básico são um direito humano essencial. Não é mercadoria.