A crise econômica que atinge o Brasil, e seus efeitos na política e na Democracia, tem vindo a ser caso de amplo debate pela sociedade. A dificuldade de compreensão desse momento tem criado divergências entre as propostas de atores políticos, intelectuais e sociedade, juntamente com seus efeitos mais imediatos na vida quotidiana. Foi neste contexto que Amélia Cohn coordenou as apresentações de Alejandra Carrillo Roa, Carlos Ocké Reis e Eli Iola Gurgel, durante a Mesa Redonda ‘Ajuste e austeridade fiscal, justiça tributária, direitos sociais e o financiamento da Saúde’, que aconteceu num auditório cheio, na tarde de 3 de maio, no 3º Congresso Brasileiro de Política, Planejamento e Gestão em Saúde, na capital potiguar.
Alejandra Carrillo Roa, consultora em economia da saúde da representação da OPAS/OMS no Brasil apresentou dados sobre as características e reformas dos sistemas de saúde na América do Sul — especificamente de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Peru, Uruguai e Venezuela. A autora de “Sistema de Saúde no Brasil: Organização e Financiamento”, elaborada em parceria com o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), levantou reflexões sobre a saúde no Brasil e em outros países latino-americanos e concluiu que é necessário o aprimoramento da organização e financiamento do Sistema Único de Saúde, aqui no Brasil – “Em maior ou menor escala, os países carecem de mecanismos redistributivos que permitam melhorar o acesso dos grupos populacionais com maiores necessidades de serviços de saúde. O baixo gasto público no setor de saúde é responsável pela insuficiência de cobertura e acesso efetivo aos serviços públicos de saúde. Em consequência, o acesso universal à saúde nos países estudados é negativamente afetado pelos elevados níveis de gasto direto, que, apesar de terem diminuído na última década, ainda persistem na região.” disse a pesquisadora.
A professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e membro da diretoria da Abrasco, Eli Iola Gurgel lembrou a todos que estava na Mesa com a “difícil tarefa de substituir o pesquisador Eduardo Fagnani, que não pode estar aqui hoje” e anunciou que sua comunicação seria uma avaliação em resumo do documento “Austeridade e Retrocesso: Finanças Públicas e Política Fiscal no Brasil” de iniciativa do GT de Macro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), Fórum 21, Fundação Friedrich Ebert e Plataforma Política Social, que faz uma análise das finanças públicas e política fiscal no Brasil, procurando esclarecer as principais causas da atual crise fiscal assim como desconstruir simplificações e mitos, muitos dos quais baseados em argumentos econômicos supostamente técnicos que sustentam a austeridade. “Desde 2014 predomina a retórica da austeridade como único caminho para recuperar a economia. Entre 2011 e 2014 a economia entrou em uma trajetória de desaceleração depois de um extraordinário desempenho entre 2007 e 2010. Enquanto que em 2007 a 2010 o esforço fiscal privilegiou o investimento público, no período seguinte (de 2011 a 2014), a taxa de investimento parou de crescer e o governo passa a apostar na elevação do investimento privado por via de subsídios e ampliação da desoneração fiscal” explicou Eli.
A professora deu como exemplo os números dos encargos financeiros da União, que constituem a conta com maior déficit estrutural do orçamento federal: em 1995 – 6% do orçamento da União e 1 vez o orçamento da saúde. Em 2015 – representou 25% do orçamento da União e 4,4 vezes o orçamento da saúde. Um outro exemplo causou surpresa na plateia “Entre os países que tributam heranças e doações, o Brasil tem uma das menores alíquotas. Nós próximos 30 anos, a parcela dos 4.225 brasileiros mais ricos que morrer vai passar para seus filhos mais de meio trilhão de dólares. Isso é cerca de 68% do patrimônio atual dos brasileiros ultra-ricos (aqueles que tem US$ 30 milhões líquidos ou mais). E o número é ainda mais relevante considerando que os outros países da lista têm impostos sobre herança na casa dos 40%. Por aqui, a alíquota máxima é de 8%, praticada apenas em três estados, o restante fica na média de 1% a 7%”, disse Eli.
E finalizou com um alerta para a política tributária no Brasil “A regressividade da política tributária confere uma característica especial à luta de classes no Brasil garantindo significativas transferências de renda dos mais pobres e do Estado para o capital. É urgente a inversão: que assegure a progressividade da política tributária, tornando a classe trabalhadora sócia privilegiada do orçamento público e da seguridade social”. E concluiu com Miguel de Cervantes “Mudar o mundo meu amigo Sancho não é loucura, não é utopia, é justiça”.
O economista Carlos Octávio Ocké Reis – do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA e atual presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES, fez a última apresentação da mesa redonda abordando a crise econômica internacional, as políticas de austeridade, o populismo de direita e as políticas protecionistas. Ocké explanou sobre uma austeridade que penaliza as classes médias e as classes populares ao invés dos ricos, para superação da crise econômica, para superação do ciclo recessivo – “em outras palavras, procura resolver a crise em sentido capitalista, procura resolver a crise eliminando a um só tempo os problemas de rentabilidade e as barreiras de acumulação daqueles setores que basicamente a originaram, pasmem, o capital financeiro, por meio da apropriação de parcelas crescentes do fundo público e do aumento da mais valia relativa e absoluta”, explica Carlos.
O pesquisador falou ainda da austeridade sob a ótica marxista: “esse apontamento teórico acerca da austeridade merece ser examinado e desenvolvido, mas, fora de dúvida, na prática, reduzir o deficit fiscal a qualquer custo, sem fustigar os encargos financeiros da dívida pública (juros e amortização), ou sem promover uma reforma tributária,tem demonstrado nesse curto período histórico que não se não criam empregos nem se produz crescimento, pior, mantém a economia em recessão, estagnação ou com baixas taxas de crescimento, conquanto esse cenário determine a expressiva concentração de renda e de riqueza nas mãos dos bancos e dos rentistas. Esse radicalismo ultraliberal gera, contraditoriamente, desigualdade e instabilidade política, criando trepidações para estabilidade democrática de um conjunto de nações (vejam o caso brasileiro e grego), criando portanto terreno para o aparecimento do populismo de direita, na esteira da crise internacional do capitalismo e da crise do projeto socialista depois da experiência estalinista”, definiu.
O economista, doutor em Saúde Coletiva pela UERJ e pós-doutor pela Yale School of Management, avaliou também o caso da Saúde neste cenário de austeridade -” No caso da saúde, a aplicação da política de austeridade assume contornos dramáticos, como não poderia deixar de ser no Brasil, país da periferia capitalista,que sofre pressão das multinacionais do complexo médico-industrial e apresenta características estruturais de um país subdesenvolvido com pobreza, desigualdade, violência e baixos níveis educacionais e culturais. Para não falar obviamente do subfinanciamento crônico das políticas sociais e das políticas de saúde, que agora estão diante de um verdadeiro ataque ao estatuto de direito social com a Emenda Constitucional 95 e com o golpe parlamentar promovido pela direita neoliberal”, disse.
No debate que se seguiu às apresentações, o ex-presidente da Abrasco, professor Luis Eugenio Souza questionou a mesa sobre as perspectivas para as eleições de 2018. “Vamos precisar de unidade… pois a divisão nos levará à derrota. Precisamos ainda fazer uma autocrítica no Partido dos Trabalhadores e até no Movimento Brasileiro da Reforma Sanitária – mas que tudo seja feito com grandeza e com generosidade” respondeu Carlos Ocké-Reis.