Não foi por acaso que o professor de Epidemiologia do Queens College of City University of New York, Alfredo Morábia, deu início a sua palestra revisitando nomes como Bacon, Descartes, Van Helmont e Graunt para contar a história do surgimento da Epidemiologia. O pesquisador defende que muitas condições foram favoráveis para o seu surgimento e os principais estão baseadas em quatro pilares: a crise das ideias ocidentais, fluxo contínuo e semanal de dados de saúde, emergência do grande capitalismo mercantil e a Sociedade Real de Londres entre 1600 e 1700. “No período entre 1561 e 1626, foi se instaurando o ‘Método novo’ de pesquisa observacional que omitiu todas as especulações astrológicas, quando começou a aceitar apenas as observações ou as evidências, também a tabulação de observações positivas e negativas, e o entendimento de clareza sobre as ‘falsas imagens’”, explica.
O método de “observações sobre a vida e a morte”, segundo Morábia, tinha o objetivo de prolongar a vida humana graças ao entendimento do papel de herança, altura, peso, idade, alimentação, comportamento, exercício físico, moradia, e tratamentos medicinais. “Descartes afirmava que era preciso simplificar, confiar só nas evidências, analisar só uma causa de cada vez e ignorar interações”, disse.
Entre estudos como os de Jan Baptista Van Helmont (1580-1644) que trouxe a “crítica à medicina oficial” e defendia que “doenças são entidades que existem independente dos indivíduos e que têm causas externas”, Morábia considera que Bacon, Helmont e Descartes estaleceram as fundações de uma revolução intelectual muito radical durante o Renascimento e que não fizeram quaisquer concessões às ideias do passado.
O professor conta que a “peste bubônica”, que ciclicamente matou milhares de pessoas, desorganizou o funcionamento da sociedade e paralisou a economia e o funcionamento do Estado, foi crucial para um dos pilares: o fluxo contínuo e semanal de dados de saúde. Na época, algumas crenças tramitavam entre os indivíduos. As pessoas acreditavam que a peste era causada por eventos astrológicos com a conjunção de Saturno, júpiter e Marte no quadragésimo grau de Aquarius, que ocorreu em 20 de março de 1345, e de que a peste era transmitida pelos miasmas.
Por volta de 1662, com o livro “Observações naturais e políticas feitas com base nos cartazes de causas de óbito”, de John Graunt, há um marco para o que chamamos hoje de Epidemiologia. Para Morábia, Graunt “não era um boticário que brincava com os Cartazes de óbitos no quarto dos fundos de sua loja, mas um grande mercante ou capitalista”. “Pearson, em 1978, afirmou que Graunt era o tipo de pessoa que fundou as bancas e casas de comércio nos séculos XVII e XVIII. Tinha muita cultura e era amigo dos artistas e cientistas. Por isso, podemos afirmar que Bacon, Descartes e Van Helmont influenciaram Graunt”, ressalta.
Morábia apresentou o primeiro documento que comprova a ideia de estudos epidemiológicos, a “The Table of Casualties”, onde estão registrados dados da mortalidade para a Peste e a Tuberculose, entre muitas outras. “Para Graunt, a frequência das doenças crônicas era previsível, mas a peste não. E que contágio dependia de um fator ambiental que não ficava permanentemente em Londres”, revelou.
O professor do Queens College of City University of New York afirmou que as fundações da epidemiologia, o pensamento populacional e as comparações de grupos não resultaram da ideia de um indivíduo sozinho, foram o resultado da evolução de todo um continente durante um século. “Para mim, não sei se concordam comigo, a epidemiologia surgiu com o livro de Graunt, em 1662. Nesse sentido, de 1662 a 2014, temos 352 anos de existência da epidemiologia”, finalizou.