Marcadas pelas desigualdades sociais e econômicas, as cidades contemporâneas, e em especial as latino-americanas, foram historicamente formadas num emaranho de pessoas, ambientes e estruturas superpostas e fortemente marcadas pela exploração. À primeira vista, decifrá-las e entender quais são seus principais problemas de saúde pode parecer um trabalho insano e infrutífero. Contudo, para Ana Diez Roux, alcançar resultados nessa seara requer coisas menos complicadas do que aparentemente pode se pensar.
“É necessário extrair as dinâmicas essenciais para os problemas que estamos estudando e resolver mediante ação”, explicou a professora titular de Epidemiologia da Dornsife School of Public Health/Drexel University na Conferência Abordagens sistêmicas em saúde urbana, realizada no dia 23 de novembro, dentro da programação do 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia – EPI 2021. A presidência da sessão foi de Maria Inês Schmidt, docente da UFRGS, tendo presidido o VI Congresso de Epidemiologia e o 20º Congresso Mundial de Epidemiologia, realizados conjuntamente em 2008.
Com formação em Medicina pela Universidad de Buenos Aires e doutorado pela John Hopkins Bloomberg School of Public Health, Ana apresentou o arcabouço científico do projeto Salurbal – Saúde Urbana na América Latina. O estudo visa entender como os ambientes urbanos e as políticas urbanas impactam a saúde dos residentes das cidades em toda a América Latina.
As primeiras ideias do projeto começaram em 2015, porém seu lançamento oficial foi em 2017, com previsão de conclusão no próximo ano. Tamanho desafio envolve uma equipe de pesquisa multidisciplinar, que têm se debruçado na observação, avaliação de experimentos naturais e modelagens, contando com uma extensa e única base de informações abrangendo cerca de 370 cidades em 11 países.
A perspectiva da visão sistêmica, como apresentado pela docente, busca ir além da lógica da causalidade, fundadora do campo da epidemiologia. “São relações dinâmicas, com feedbacks e loopings de retroalimentação e dependências, e que acontecem não só entre pessoas, mas também entre os bairros de uma cidade, resultando em efeitos não lineares, dispersos no espaço e no tempo e muitas vezes não previstos”.
Identificar os vetores de saúde e de iniquidades em saúde nas cidades e seus diferentes bairros; avaliar as atuais políticas públicas e intervenções que vêm sendo realizadas; desenvolver modelos sistêmicos de avaliação em saúde urbana e sustentabilidade e, então, promover o engajamento da comunidade científica, gestores governamentais e classe política para validar e criar políticas públicas mais robustas são os objetivos do projeto. No caso dos modelos sistêmicos, para a viabilidade e melhor recorte, as investigações são centradas nas agendas do transporte urbano e política alimentar.
“Escolhemos essas duas áreas porque têm importância para a saúde urbana e também são agendas nas quais as relações de feedback e dependência e conexões entre saúde e ambiente são muito claras. Isso faz com que sejam temas adequados para se pensar de maneira sistêmica. Nem todas as questões precisam dessa abordagem, podendo ser respondidas pelos métodos tradicionais, o que já foi e vem sendo feito. No entanto, há situações em que o método sistêmico pode ser extremamente útil”, destacou Diez Roux.
Ao final, a docente fez relações entre o olhar do pensamento sistêmico e a covid-19. “A pandemia destacou os desafios do pensamento sistêmico, ressaltando a natureza da transmissão de doenças, um paradigma para esse pensamento, juntamente com os antecedentes sociais, como habitação, papel do trabalho, e questões estruturais como a desigualdade e o racismo. Nossa resposta à Covid-19 tem sido marcada por efeitos não antecipados, distantes no tempo e no espaço, e nossa resistência às mudanças”.
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