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Análise de conjuntura e disputa de poder em debate

Inês Costal e Patrícia Conceição / Observatório de Política

Análises de conjuntura marcaram a mesa-redonda “Lutas Sociais e disputas de poder na saúde: entre o direito e a mercadoria”, realizada no primeiro dia do Abrascão 2018, 26 de julho. Com exposições de jovens integrantes de movimentos sociais, o encontro trouxe olhares sobre as forças que atuam sobre os direitos sociais, em especial o direito à saúde, e àquelas que se colocam como entraves às perspectivas democráticas e progressistas. A mesa foi coordenada por Élida Cândido, do Instituto Aggeu Magalhaes (Fiocruz/PE).

Integrante do Movimento Sem Terra (MST), a médica e docente da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Andreia Campigotto, expôs uma análise da conjuntura a partir do exame de dois elementos: luta de classes e contradições. Destacando que a análise de conjuntura parte de um olhar, a militante iniciou apresentando a posição do MST sobre o país: Brasil vive forte crise cuja raiz econômica é razão de todos os problemas, que afeta todas as classes e levou ao aumento da crise social diante de medidas antipopulares e antidemocráticas. Para Andreia, o golpe de 2016 resultou em descrença da política.

A médica elencou quatro medidas em andamento alinhadas ao golpe de 2016: privatizatizações; reformas (Trabalhista, da Previdência) como projeto de médio e longo prazo voltadas para recomposição das taxas de lucro da burguesia; cortes nas políticas públicas; realinhamento da economia brasileira com economia norte-americana.

Segundo Andreia, a luta de classes atual se concentra nos blocos golpista e de resistência. No primeiro, expôs contradições como a falta de apoio ao golpe; não cooptação dos votos populares; falta de unidade para um candidato da direita; falta de base social que sustente um governo de direita; aumento de desempregados/as e trabalhadores/as mais pobres, que afeta poder de compra; permanência de Lula como símbolo de resistência e percentual relevante de votos, mesmo após tentativas de desmoralização; alcance da Lava Jato além do Partido dos Trabalhadores (PT). “Golpistas virão com tudo e há possibilidade de um Congresso mais conservador do que o atual”.

Sobre o que chamou de bloco da resistência, a docente destacou os movimentos para formação de uma unidade, a exemplo da Frente Brasil Popular; o processo de formação da esquerda por meio de atuação prática, com participação de artistas; a construção de um “razoável” sistema de comunicação que deve ajudar na disputa ideológica. A falta de sucesso da esquerda em mobilizar pessoas afetadas pela crise, em especial os/as desempregados/as e trabalhadores/as mais pobres, foi a “contradição” ressaltada pela expositora. “Não adianta ser de esquerda se a gente não pauta os movimentos de mulheres, da juventude negra exterminada e a própria pauta da saúde. Não há espaço para a esquerda fazer mais essas alianças espúrias”, afirmou.

Continuando a linha de olhar para a conjuntura, a doutoranda da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Laila Talita Costa, apresentou os interesses de classe presentes na consolidação do setor privado no Brasil. Ao traçar a trajetória do setor neoliberal na saúde e o impacto do desenvolvimento do capitalismo na área, Laila enfatizou a atuação política dos agentes privados de saúde, o investimento de empresas privadas no Congresso, em especial na Câmara dos Deputados por meio da “bancada do boi, da bala e da bíblia”.

Para a integrante do Levante Popular da Juventude, há mudanças na representação de interesses dos agentes privados e nas formas de crescimento do setor, citando como exemplo as tentativas de atuar na formulação de propostas para o sistema de saúde do Instituto Coalização Saúde, as iniciativas voltadas para uma regulação mais enxuta dos planos de saúde, como a recente investida nas regras de coparticipação e franquia e o projeto de planos de saúde acessíveis impulsionado pelo ex-ministro da Saúde, Ricardo Barros. Andreia acredita que a subjugação dos direitos sociais tem expressado profunda desigualdade entre setores da sociedade civil na atuação política. “Precisamos nos preparar para reconhecer inimigos e como atuam”.

Há possibilidade de pensar a saúde fora da disputa de projetos políticos? Para o médico Thiago Silva, que encerrou as apresentações da mesa, não. Com uma exposição que enfatizou a disputa de interesses na saúde não como um resultado da conjuntura recente, Thiago chamou a atenção para a importância de ver a política como disputa de poder. Integrante da Rede de Médicos e Médicas Populares, o mestre em Saúde Pública apontou o uso estratégico da atenção primária e da medicina de família pelo setor do privado, com a venda desses serviços para o SUS diante da perspectiva de economia de custos da média e alta complexidade.

A saúde fast food, como o médico chama iniciativas de clínicas populares que oferecem um cardápio de serviços de saúde, foi uma das questões apontadas na discussão: oferta de tabelas de preços de procedimentos fragmentados aliada a um discurso que usa termos como “direito”, “igualdade”, “dignidade” para se comunicar com a população, se aproximando do SUS. Para Thiago, é preciso pensar sobre estratégia e disputa de hegemonia para impulsionar a luta por direitos – “Estamos vendo o direito a saúde virar conto de fadas […] precisa, e muito, criar musculatura para um debate do direito à saúde”.

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