O que seria a primeira ação no Brasil para avaliar com método científico a qualidade de acesso da população ao SUS se transformou em mais um clássico fracasso da administração pública. Concebido em 2011, no primeiro ano do governo Dilma Rousseff, o Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde (Idsus) apresentou seu único resultado no ano seguinte e foi oficialmente abandonado em 2014. O fim precoce do indicador foi acompanhado de enorme polêmica entre prefeitos, que iniciaram uma resistência política depois que suas gestões na Saúde passaram a ganhar notas, que variavam de 0 a 10.
Mesmo assim, o Ministério da Saúde, seja no site ou por meio de documentos públicos — até aqueles remetidos ao Tribunal de Contas da União — ainda enumera o Idsus entre suas políticas de avaliação e monitoramento do setor.
Enquanto isso, entre telefonemas e idas ao hospital, o aposentado Antônio Menezes, de 77 anos, morador do Rio, segue na expectativa. A literatura médica indica que a cirurgia para corrigir a catarata deve acontecer o mais próximo possível do diagnóstico, para aumentar as chances de sucesso. Até marcar a consulta com o oftalmologista que identificou a doença, foram cinco meses. Mais quatro se passaram, e ele ainda não tem data para a cirurgia.
— É angustiante, porque eu ligo, vou pessoalmente, mas a fila é grande e ninguém dá uma solução — diz Menezes, que procurou assistência no Hospital Universitário Pedro Ernesto, ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). — Eu, infelizmente, não tenho condições de pagar um plano de saúde — lamenta ele.
Antônio segue sem cirurgia, e o SUS, sem diagnóstico. No primeiro e único levantamento, que considerou dados de 2009 e 2010, o Rio obteve a pior nota entre as capitais: 4,33. Porém, é impossível aferir se a situação melhorou ou piorou, seguindo a mesma metodologia, porque não houve nem haverá uma segunda divulgação.
“Essa avaliação não foi utilizada como orientadora para qualquer repasse de recursos para estados e municípios. A proposta era realizar a cada três anos, contudo, em 2015 o governo optou por suspender a iniciativa”, informou o Ministério da Saúde, em nota ao GLOBO.
Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde e atual secretário de Saúde da cidade de São Paulo, disse que a segunda edição do Idsus deveria ter ocorrido em 2014. E mostrou-se surpreso ao ser informado pelo GLOBO que a avaliação de qualidade não existe mais.
Acontece que o destino do Idsus foi selado na administração petista, apenas alguns meses depois que Padilha deixou o ministério, em 2014, para se candidatar ao governo do estado de São Paulo.
— Eu não sei o que aconteceu depois que eu saí. A segunda etapa deveria ter sido divulgada em 2014. É uma pena, lamentável. Vejo duas justificativas: a classe política não assumiu a cultura da avaliação; e uma possível crítica a imperfeições (do indicador de qualidade). Não é perfeito, mas tem que existir — afirmou Padilha, que nega ação de estados e municípios para o fim do Idsus: — Eles pactuaram junto com o ministério a criação do indicador composto.
Mas o coordenador da assessoria técnica do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Nilo Bretas, diz saber o que aconteceu para o fim do Idsus.
— Houve muita polêmica quando o Idsus foi divulgado. Ele não serve para ficar comparando, dando ranking ou nota. Serve para achar evidências do que pode ser melhorado. Essa é a questão. Em 2014, a gente começou a fazer uma discussão sobre a reformulação do Idsus. Os formatos começaram a ser discutidos, mas… enfim… parou nessa discussão e não deu… não houve continuidade — afirmou o representante das prefeituras.
Para a pesquisadora Ligia Bahia, da UFRJ, prevalece o medo de ser avaliado.
— É como se houvesse um pavor da avaliação. Mas, na Saúde, a avaliação é uma ferramenta importantíssima para aprimorar e inovar. O Idsus provocou desagrado político de tudo o que é lado. As prefeituras do PT não ficaram em primeiro lugar. O que teria sido importante seria a continuidade, seria a persistência — afirma ela.
Esta persistência foi demonstrada pela manicure Shirlei Rezende, que saiu recentemente de uma internação provocada por uma úlcera. O atendimento básico foi feito: da emergência, ela seguiu para o CTI, de onde só foi liberada após os exames indicarem a estabilização do quadro. A ela foi indicada a realização de uma biópsia para afastar o risco de câncer. Mas, a partir daí, Shirlei entrou no labirinto do acesso ao SUS, com muitas perguntas e poucas respostas.
— Não é direito de todo mundo ter acesso à saúde? Como eu posso ficar sem saber a quem recorrer? — pergunta ela. — Saí daqui (do hospital) com um número de telefone, mas já soube que não vai ser simples.