No último 06 de abril, foi aprovada a nova minuta sobre ética em pesquisas nas Ciências Humanas e Sociais na 59ª reunião ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), uma batalha que vem sendo travada a meses. Em carta à comunidade científica, Luiz Fernando Dias Duarte, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGAS/MN/UFRJ) e coordenador do GT de Ética em Pesquisa do Fórum das Associações de Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas (FACHSSA), relata o processo.
A minuta, produzida pelo GT, sofreu algumas modificações, introduzidas pela Mesa Diretora do Conselho após uma reunião realizada com representantes do GT e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisas (Conep).
Veja a minuta aprovada
A avaliação que ora fazem os representantes das associações científicas com assento no GT é a de que foi obtida uma grande vitória, após quase três anos de trabalho árduo e de luta contínua e exaustiva contra os preconceitos e vícios da Conep.
Na carta, Dias Duarte lista os principais ganhos obtidos com a aprovação da minuta:
. adoção de um sistema de avaliação com gradação da gravidade dos riscos (em quatro níveis), e conseqüente tramitação diferencial dos projetos no sistema (art. 21);
. reconhecimento da diferença entre avaliação ética e avaliação teórica e metodológica; e conseqüente restrição da avaliação do sistema apenas às dimensões éticas dos projetos (art. 25);
. exigência de composição equânime entre os dois grandes grupos de ciências nos colegiados do sistema CEP/Conep: seja na própria Conep, seja nos CEP que pretenderem avaliar projetos de Ciências Humanas e Sociais (CHS) (art. 26 e 33);
. exigência de que a relatoria de projetos de CHS nesses CEP incumba a membros com competência nessa área (art. 26);
. criação de uma instância dentro da Conep dedicada à implementação da nova sistemática de avaliação nas CHS com a participação das sociedades científicas; incluindo-se aí a elaboração do novo formulário de registro na Plataforma Brasil (art. 29);
. possibilidade de promover a informação sobre a proteção dos participantes por meio de um “processo de esclarecimento” que não passe necessariamente por um “termo” formal (art. 5º.);
. possibilidade de comprovação do consentimento / assentimento dos participantes por outros meios que não o escrito (arts. 15 a 17);
. manutenção da possibilidade de realização de “pesquisa encoberta” nos casos justificados ao sistema (art.14);
. manutenção da possibilidade de realização de pesquisas sem processo prévio de autorização, nos casos justificados ao sistema (art. 16);
. afastamento de uma noção reificada de “vulnerabilidade”; e conseqüente adoção de um critério de situação de vulnerabilidade (arts. 2º., 3º. e 20);
. retirada do processo de registro de uma série de tipos de pesquisa (de opinião pública, censitária, decorrente de experiência profissional etc.) (art. 1º.);
. retirada do processo de registro das “etapas preliminares da pesquisa” (art. 24);
. eliminação da referência à “relevância social da pesquisa” como critério de avaliação da ética em pesquisa nas CHS;
. eliminação da referência à bioética como pertinente na avaliação da ética em pesquisa nas CHS.
Ele destaca que o pleno sentido desta resolução só será atingido quando for aprovada a resolução específica sobre gradação e avaliação dos riscos. A resolução vem sendo negociada dentro do âmbito da Conep com os representantes das ciências biomédicas. O GT já elaborou a sua proposta relativa a esse tópico, formalizando o reconhecimento das diferenças desse tema entre os dois grandes grupos de ciências.
A resolução dependerá também da aprovação de um novo formulário de inscrição na Plataforma Brasil, que permitirá um encaminhamento mais claro e ágil das propostas, com bifurcações sucessivas a partir do registro como pesquisa biomédica ou social e humana. Um esboço desse formulário também já foi delineado pelo GT.
Retrocessos: Dias Duarte ressaltou também os pontos em que esta nova resolução não avançou ou não poderia ter avançado. “Para muitos de nós, o sistema CEP/Conep é um sistema excessivamente vasto e centralizado, com riscos muito altos de burocratização; pouco propício à necessária tarefa reflexiva e educativa que a gravidade e complexidade da matéria exigiria continuadamente. Será necessária uma grande luta para transformar o sistema com o aporte crescente e sistemático das Ciências Humanas e Sociais.”
Ele destacou que não foi possível encontrar uma fórmula adequada para o problema dos trabalhos de conclusão de curso (TCCs), monografias e similares que envolvam pesquisa direta com sujeitos sociais; cujo curto prazo de realização dificilmente se pode adequar ao sistema de registro centralizado, por mais ágil que este possa vir a ser (artigo 1º., VIII). Uma saída oblíqua para o problema poderá ser a do artigo 27, com o registro dos projetos dos alunos, como emenda, de projeto registrado em nome do professor ou orientador.
“Um desafio que se apresentará logo adiante aos representantes das Ciências Humanas e Sociais é o de fazer reverter a atual situação da pesquisa com indígenas, considerada liminarmente como de alto risco pelo sistema CEP/Conep, mantendo e aprofundando uma visão tutelar fartamente ultrapassada no espaço nacional. As manifestações da consulta à sociedade sobre a minuta enfatizaram com muita ênfase a necessidade de alteração dessa norma. Certamente passará a ser uma importante tarefa das associações de Ciências Humanas e Sociais promover e suscitar por toda parte a criação de CEPs voltados para a área, de modo que os princípios da nova resolução possam ser aplicados sem os ranços do sistema anterior”.
O docente finalizou sua avaliação ressaltando que as associações precisam decidir como lidar com a disposição original e prioritária apontada pelo GT da FACHSSA para a criação de uma “via externa” ao Ministério da Saúde (possivelmente no Ministério de Ciência Tecnologia e Inovação) para a avaliação da ética em pesquisa nas Ciências Humanas e Sociais. “Nesta nova fase, de implementação dos mecanismos suplementares da resolução aprovada pelo CNS, será possível ou conveniente se conformar com a “via interna”, lutando dentro dela?” questiona Dias Duarte no final de sua carta.