Jogos Olímpicos inspiraram, mas não impactaram a prática de atividades físicas cotidianas. Duas semanas de imagens e histórias de atletas que levam seus corpos aos limites da força, velocidade, altura e precisão estimulam os espectadores a concluir que possuem habilidades e competências para realizar atividades esportivas regulares, prazerosas, ainda que distintas daquelas caracterizadas pela excelência competitiva. Contudo, mesmo países que sediaram as Olimpíadas e se comprometeram a tornar-se nações afeitas aos esportes e saudáveis não reduziram significativamente o sedentarismo. A inatividade física no lazer, considerada pandemia global, não é o resultado de escolhas pessoais. Além das condições sociais e psicológicas, o meio ambiente influencia decisivamente a realização de exercícios. A urbanização, blocos de apartamentos destituídos de áreas de convívio, as longas e curtas distâncias percorridas em transportes motorizados e a violência restringem as possibilidades de praticar esportes. Enquanto que, praças e quadras limpas, iluminadas, dotadas de recursos para reunir atletas, amadores e iniciantes de variados estilos de jogos, passeios largos e arborizados estimulam a atividade física.
Apesar do conhecimento generalizado sobre os benefícios dos esportes para a saúde, apenas 33,8% dos brasileiros adultos, em 2014, atingiram os níveis recomendados de exercícios, e o sobrepeso e a obesidade continuam a aumentar em crianças. Os riscos do sedentarismo vêm sendo monitorados e estão correlacionados com doenças coronarianas, diabetes e cânceres de mama e intestino. Estudos recentes evidenciaram a importância das atividades físicas para o desenvolvimento e a preservação da capacidade cognitiva ao longo da vida. Esportes contribuem para aprimorar o desempenho escolar e previnem demência. Em 2013 e 2015, a maioria das escolas de ensino básico do país não tinha quadras esportivas (69% e 64%, respectivamente). Ano passado, na cidade do Rio de Janeiro, apenas 46% das públicas possuíam locais específicos para jogos recreativos. Em bairros como a Cidade de Deus, com cerca de 38 mil habitantes, indicadores sociais críticos, vizinho de zonas nobres e próximo do Parque Olímpico, os locais de lazer e recreação são insuficientes e degradados.
O modelo herói/heroína de alto desempenho atlético baseia-se na busca de talentos e treinamentos técnicos especializados. Para a maioria da população, bastam instalações adequadas em escolas, praças, ruas, incluindo ciclovias e condições seguras para a realização de esportes. Para a proteção dos riscos à saúde, a atividade física deve ser adotada por crianças e adultos de todas as idades e pode ser de moderada ou alta intensidade. Esportes como skate, cujos praticantes nem sempre adotam estilos de vida compatíveis com a disciplina e hierarquia dos regimes olímpicos, valem tanto quanto outros. A continuidade dos esforços para a formação de jovens atletas e uso adequado e ampliação da infraestrutura para a prática esportiva de diversas modalidades e estilos para o uso em larga escala são prioritários, seja por meio da promoção de eventos tradicionais ou nos que incluem a realização de grafites, apresentação de DJs, dança e bandas de músicas.
Nas últimas pesquisas de opinião, a saúde aparece de novo como o principal problema. Preocupações e experiências individuais e familiares com obesidade, cânceres, problemas de saúde mental, genocídio e sequelas de jovens por armas de fogo, a tríplice epidemia (dengue, chicungunha e zika), a má qualidade de hospitais e unidades de saúde públicas e privadas e dificuldades para obter medicamentos angustiam quem vivencia as dificuldades de atendimento e assustam quem ouve. A priorização de intervenções ambientais, na cidade, no saneamento e no desenho urbano é a abordagem adequada para encarar o aumento dramático de vários agravos e doenças. Tornaram-se discursos e práticas oficiais fugir da raia, sair de fininho, o desempenho baseado no menor esforço e muitos bons negócios, atribuindo ao público a resolução do que compete ao privado, substrato da ideia de planos baratos, ou, ao contrário, pretendendo retirar pacientes das emergências estatais empurrando-os para hospitais particulares. Embora a saúde ocupe o último lugar na lista de interesses de empresários setoriais e políticos e fóruns governamentais privatizantes.
Um país ensolarado e com espaços abertos e seguros tem muito do que se precisa para incentivar a atividade física. Em lugares frios e escuros, as dificuldades são imensas e vêm sendo superadas com o uso de recintos fechados, desde centros esportivos até marcação de distâncias para caminhadas em shoppings. Nosso clima, especialmente no litoral, é naturalmente favorável e o contexto sombrio pode ser socialmente transformado. As outras condições que contribuem para diminuir a inatividade, assim como profissionais de saúde que se interessem pelas condições de vida dos pacientes e sejam capacitados para orientar exercícios e a participação nas decisões sobre as políticas esportivas, também são alcançáveis. Temos o céu, ninguém precisa prometê-lo nas eleições. E troca-se, aqui na Terra, “o tudo isso também” pela enunciação de propostas claras e ações permanentes para saúde, conduzidas por autoridades públicas com consciência sanitária.
(Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, nesta segunda-feira, dia 29 de agosto)