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As práticas de racismo e violência e sua relação com a saúde

Irene Kalil / IFF

Com a coordenação da pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da Comissão de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco Tatiana Engel Gerhardt, a mesa redonda A construção social da diferença: violência e racismo nas práticas de cuidado e os desafios para a integralidade reuniu um público significativo na tarde do domingo, 29 de julho, último dia do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão 2018.

Para debater o tema em sua complexidade, estiveram presentes a docente de enfermagem da Faculdade Factum e coordenadora da Área Técnica de População Negra da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Elaine Oliveira Soares, o pesquisador do Instituto de Saúde de São Paulo e coordenador do GT Racismo e Saúde da Abrasco, Luís Eduardo Batista, e o pesquisador e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), Marcos Antonio Ferreira do Nascimento.

Em breve apresentação, Tatiana destacou que a proposta da mesa, de abordar um tema inter GTs no Abrascão, é muito relevante no sentido da abertura do diálogo e da construção compartilhada do conhecimento. “Por serem temas complexos, mas que estão presentes na realidade de quem vivencia de perto os efeitos da construção social da diferença, é necessário promover aproximações entre diferentes olhares. Pensando nisso, fizemos o esforço para conjugar aqui as perspectivas da academia, do serviço de saúde e da pesquisa realizada fora do âmbito universitário”, afirmou a professora.

Elaine Oliveira Soares problematizou, na sua fala, as práticas de cuidado prestadas e mantidas nas instituições de saúde. “Muitas vezes, elas mesmas impossibilitam o estabelecimento de estruturas não racistas, não sexistas, e não homofóbicas e negam a possibilidade da diferença e do outro nos serviços. Por outro lado, o Estado não cria as condições que para que essas parcelas da população tenham acesso ao arsenal jurídico que garante a equidade e a integralidade”, pontuou.

Para a docente, o conceito de branquitude é fundamental para compreender como se constrói o racismo institucional em nossa sociedade. “A branquitude é um privilégio, proporcionando benefícios simbólicos e materiais ao ser branco numa sociedade racista. É o lugar de onde o sujeito branco vê os outros e a si mesmo”, afirmou. Na naturalização social da branquitude, surge o racismo institucional, que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância e produz a invisibilidade das necessidades reais de mulheres e homens negros, gerando adoecimento físico e psíquico para essas pessoas. “Por isso é tão importante estabelecer redes de apoio de trabalhadores e usuários dos serviços, bem como entre eles, para que possamos repensar essas estruturas de poder que se reproduzem na saúde”, concluiu ela.

O pesquisador Luís Eduardo Batista iniciou sua exposição afirmando a urgência de problematizar a violência gerada pelo racismo estrutural nas instituições de saúde, começando pelo acolhimento, enfatizando que marcadores como raça, gênero e classe nunca são priorizados na reflexão, pois o discurso é que de existem questões anteriores a serem pensadas. Nesse sentido, ele defendeu a necessidade de refletir sobre como melhorar o acolhimento e o cuidado à saúde desses grupos populacionais mais vulneráveis. “Na minha opinião, temos de trabalhar em duas frentes no que diz respeito à produção do conhecimento para a desconstrução dessa violência estrutural: na formação dos profissionais de saúde e nos espaços da pesquisa”, afirmou.

Com relação à formação de profissionais, o pesquisador considerou fundamental introduzir no currículo dos cursos da Secretaria de Saúde a discussão sobre esses marcadores. “Nossos profissionais, em geral, não vêm os usuários como detentores de direitos, e o discurso mais difundido sobre o acolhimento não contempla o debate sobre esses marcadores, compreendendo todos como ‘iguais’, quando, efetivamente, sabemos que não são”, reforçou. É preciso, ainda, de acordo com ele, discutir questões de educação e saúde no campo das relações raciais nos discursos da pós-graduação, graduação e cursos técnicos, agregando valor também aos conhecimentos produzidos na gestão do SUS e nos movimentos sociais.

No âmbito da pesquisa e da produção do conhecimento, Batista destacou que, em levantamento de projetos de pesquisa financiados pelo Ministério da Saúde entre 2003 e 2017, o percentual de projetos sobre população negra nos estados foi muito pequeno, assim como não foi encontrado nenhum projeto que discutisse temáticas como acesso, acolhimento, relação com profissionais de saúde ou racismo e violência contra a população negra nos serviços. “Precisamos transformar essa realidade ou continuaremos sendo corresponsáveis pela violência praticada cotidianamente com os usuários na atenção à saúde”, ressaltou.

Usando como ponto de partida o genocídio da população jovem negra no Brasil e em especial no Estado do Rio de Janeiro, Marcos Antonio Ferreira do Nascimento apresentou parte de uma pesquisa interinstitucional realizada entre 2016 e 2017 com profissionais e jovens em conflito com a lei internos de uma unidade do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), no Rio de Janeiro. Segundo ele, a situação dos adolescentes em conflito com a lei é um espelho da população carcerária adulta no país. “No Rio de Janeiro, vemos uma predominância do sexo masculino, classe social baixa, pretos e pardos e oriundos das favelas cariocas, territórios produtores e vítimas de violência. Esses são os que mais matam e os que mais morrem em nosso estado”, ressaltou o pesquisador.

No que se refere à saúde desses jovens, ele apontou a sexualidade como questão tensionadora, uma vez que é vista como tabu nessa etapa da vida, situação que é agravada quando se relaciona aos adolescentes privados de liberdade. Nascimento pontuou, por exemplo, a dificuldade para efetivação da visita íntima para os jovens internos, e como esse “direito” acaba, muitas vezes, sendo utilizado como moeda de troca por funcionários da instituição; e a homossexualidade de alguns desses adolescentes, que fica invisibilizada pela presunção de uma sexualidade heteronormativa. Também a questão da paternidade desponta, no contexto desses jovens, como uma possibilidade de, diante de uma perspectiva de vida curta, deixar sua marca no mundo. “Mas ainda é muito difícil falar sobre gênero e sexualidade com adolescentes sem sucumbir à tendência de tutela e compreendendo esse indivíduo como sujeito de direitos”, ressaltou o pesquisador.

Nascimento encerrou sua palestra pontuando duas questões que, segundo ele, merecem destaque. A primeira se refere à indissociabilidade, quando falamos de jovens, da relação entre educação e saúde, e em como tem sido um desafio pôr essas duas áreas em diálogo. A segunda é a necessidade de frisar que todos os marcadores sociais citados ao longo das falas que compuseram a mesa revelam não apenas diferenças, mas desigualdades. “Por isso, pensando com base no grande tema deste Abrascão, precisamos ressaltar que não haverá saúde e democracia se não tivermos igualdade racial, de gênero e respeito às diferenças. É necessário encarar o problema de frente”, concluiu.

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