Como as três áreas fundadoras e constituintes da Saúde Coletiva – Ciências Sociais e Humanas em Saúde; Epidemiologia, e Política, Planejamento e Gestão – estão no cenário das pesquisas? Essa pergunta foi norteadora do segundo painel do Seminário 20 anos de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde no Brasil, realizado na tarde do dia 18 de setembro no auditório da Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), no campus Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro. Os painelistas foram Antônio Carlos de Carvalho, Secretário do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (DECIT/ SCTIE/MS); Celia Almeida, pesquisadora do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (DAPS/ENSP/Fiocruz), Moisés Goldbaum, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (DMP/FM USP), e Nísia Trindade Lima, vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fundação (VPEIC/Fiocruz). A coordenação foi de José da Rocha Carvalheiro, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inovação em Doenças Negligenciadas (INCT-IDN/Fiocruz).
O Secretário do DECIT Antônio Carlos Carvalho apresentou um balanço do financiamento das pesquisas em Saúde, que receberam R$ 3,2 bilhões de 2006 a 2013. Do total do financiamento do CNPQ, a área de saúde e ciências biológicas representou 30% dos investimentos em 2013. Desse percentual, a saúde recebeu 12%. Ele destacou as parcerias do MS com o Ministério de Ciência e Tecnologia e inovação no Fundo Saúde e com as Fundações Estaduais de Amparo , que destinaram um montante de R$ 248,7 milhões.
Os investimentos, segundo Carvalho, tem alcançado o retorno esperado. “Em termos absolutos, o país é o 2º produtor de pesquisas entre os BRICS e somos responsáveis por 1/3 da produção científica mundial na área de doenças negligenciadas”. A produção dos doutores da área das ciências da saúde e biológicas corresponde a 52% do que é feito de ciência no Brasil. Dentro desse percentual, a saúde corresponde a 27%.
Programas, redes e cooperações: Carvalho ressaltou o ineditismo de o país ter instituído por portaria ministerial de oito redes de pesquisa e ter aberto 28 editais com parcerias entre 2011 e 2014, num total de R$ 451,4 milhões. Fora dessa conta estão os acordos de cooperação nacional e internacional, como os instituídos para o funcionamento dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, com 37 centros voltados para a área da Saúde, e o Proadi-SUS, programa de excelência em 6 hospitais em São Paulo e 1 do Rio Grande do Sul, baseado em renúncia fiscal, chegando a valores acima de R$ 1 bilhão. No entanto, Carvalho fez críticas a este modelo: “Temos a necessidade de reformatar programas como esses, pois há muitas ações de assistência para o que era para ser de treinamento e pesquisa”. Das cooperações internacionais, destacou os acordos com a Fundo Bill e Melinda Gates, para prevenção e manejo de nascimentos prematuros, no Eliminate Dengue, na produção de mosquitos inoculados com a bacteria Wolbachia para impedir a proliferação do vírus responsável pela doença.
Reflexões da academia: Moisés Goldbaum, que já esteve à frente do DECIT, fez reflexões sobre o cenário dos últimos dez anos. “A criação do Departamento trouxe a desconfiança da comunidade científica de que os recursos fossem usados apenas pela área de Saúde Coletiva, o que não aconteceu”. Ele acrescentou que o forte desenvolvimento dos programas de Pós-Graduação em Saúde Coletiva estiveram amarrados ao desenvolvimento das pesquisas em Saúde. “Quando olhamos a produção científica de nossos pesquisadores vemos que eles estão vinculados a temas colocados desde a 2ª Conferência de Ciência e Tecnologia m Saúde”.
Para Goldbaum, as pesquisas em Saúde Coletiva devem seguir com o objetivo de influenciar as definições e questões políticas nos diversos aspectos da constituição do SUS, como nas questões da integralidade, da humanização e das vigilâncias em saúde, tanto epidemiológicas quanto sanitárias. A institucionalização dos programas de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde e a busca melhor integração das diferentes áreas disciplinares da área são os principais desafios postos. “Precisamos de uma melhor integração e não fazer uma superposição de estudos”.
Celia Almeida trouxe uma visão crítica ao que considerou certo domínio das questões da tecnologia nas pesquisas da Saúde Coletiva e um reforço das visões disciplinares estanques. Para a pesquisadora, isso se dá a partir do momento em que o projeto político do movimento da reforma sanitária, grande orientador da constituição do campo de saber da Saúde Coletiva, perde o foco. “Se antes a linha sanitária defendia uma ocupação do Estado, houve uma certa perda de contato com a base da sociedade que deveria apoiar a reforma. Soma-se ainda uma competição entre as áreas disciplinares e o retorno a pontos da Saúde Pública tradicional, como pesquisas de base populacional, e outros conceitos que a Saúde Coletiva aparentemente havia surgido como superação”.
Para a pesquisadora, esse movimento de idas e vindas na configuração das investigações científicas é saudável desde que seja imbuído dentro de um processo de reflexão do campo, do produzir ciência em Saúde Coletiva e da própria Abrasco . “Definir essas relações significa dedicar tempo de pesquisa, se quisermos realmente interferir nessa realidade”.
Coube a Nísia Trindade falar a partir do ponto de vista das Ciências Sociais em Saúde. A pesquisadora buscou ir além desse sentido ao singrar por outros caminhos. “Acho importante fazer uma reflexão de como as Ciências Sociais estão dentro da discussão do desenvolvimento nacional e pensar esse campo do conhecimento dentro da agenda de CT&I, e vice-versa. Isso comumente é feito em tom reivindicatório, o que não é um bom caminho”.
Nísia fez um levantamento de autores clássicos e contemporâneos, nacionais e internacionais que abordam de alguma forma esta relação. De Weber a Joseph Schumpeter, de Sergio Buarque de Hollanda a José Eduardo Cassiolato, ela avaliou as mudanças do debate da área sobre Ciência e Tecnologia. “Há uma diferença muito grande do que foi o debate da agenda do desenvolvimento dos anos 50, período no qual as Ciências Sociais atuaram como agentes dessa mudança, desde a questão racial e a inserção das mulheres, até o momento atual. De certa maneira as Ciências Sociais se colocam hoje de pensar o avesso desse desenvolvimento, chamando atenção ao lado negativo e compartilhando uma cultura crítica à essa tríade da ciência tecnologia e inovação, com estudos fragmentados e pouco partícipes de pensar as questões de ciência e inovação”. Para vice-presidente da Fiocruz, é hora de pensar numa agenda positiva, orientada não pela escolha de pensadores, mas acompanhando os movimentos institucionais gerais. Nesse sentido, o primeiro desafio proposto pela pesquisadora deve ser repensar os processos de avaliação nos sistemas de Pós-graduação. “Pensarmos o que queremos da avaliação e o que ela induz é trazer essa discussão para bases mais consistentes, de forma propositiva, contribuindo de forma ativa com esse debate”.