“A Saúde Coletiva é jabuticaba?” perguntou Eduardo Faerstein na Aula Inaugural da Pós-Graduação do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. O auditório do Instituto recebeu na manhã de 5 de março, muitos alunos, pesquisadores e usuários do Sistema Único de Saúde – SUS.
Com o tema “Saúde Coletiva: Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos”, o professor Eduardo Faerstein, atual coordenador do Comitê de Relações Internacionais da Abrasco e membro da Comissão Científica do Abrascão, partiu da definição corrente da Saúde Coletiva como campo de conhecimentos e práticas multidisciplinares, debatendo possíveis respostas às questões 1) A Saúde Coletiva é jabuticaba? (ou seja, só existe ou nasceu no Brasil?) 2) Quando teve início a Saúde Coletiva? 3) Quais são importantes atrasos e lacunas de conhecimento no campo? 4) Quais são alguns desafios políticos para a Saúde Coletiva e para a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)?
Polemizando com avaliações presentes na literatura da Saúde Coletiva brasileira, o conferencista defendeu a tese de que o campo compartilha e honra as melhores tradições da saúde pública internacional, a partir de vários exemplos históricos e contemporâneos na pesquisa, nas ações de saúde e no ativismo político (como Brasil, Alemanha, EUA, Russia, África do Sul). Em resposta à terceira pergunta, Faerstein ofereceu exemplos de temas de impacto sobre a saúde populacional ainda insuficientemente abordados em nosso meio, como o efeito dos ciclos econômicos, o racismo, as migrações forçadas e as várias dimensões do Antropoceno.
Eduardo Faerstein discorreu, em seguida, sobre o entrelaçamento de conjunturas, processos e fatos acadêmicos e políticos ocorridos desde a década de 1950, que confluíram para o movimento pela Reforma Sanitária Brasileira: os projetos pedagógicos dos Departamentos de Medicina Preventiva; o desenvolvimento das várias modalidades de pós-graduações na área; os projetos de atenção primária em municípios com prefeituras eleitas pela oposição à ditadura, seguidos de estratégias-ponte a nível nacional, como as Ações Integradas de Saúde; o crescimento dos movimentos estudantis e sindicais na área da saúde; e a criação do Cebes (1976), Abrasco (1979) e o Movimento Nacional de Luta Antimanicomial. Na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, consagrou-se o mote “Saúde: direito de todos e dever do Estado”, incorporado pela Assembleia Nacional Constituinte à Carta Magna brasileira.
No terceiro momento da aula, o palestrante mostrou os números “monumentais” do desempenho do Sistema Único de Saúde (SUS), criado em 1988 para atender a parte do novo enunciado constitucional, mas cronicamente subfinanciado por todos os governos desde então. Faerstein mencionou as firmes manifestações públicas da Abrasco a respeito, que cobrem os 30 anos do SUS, e opinou por um maior enraizamento da Saúde Coletiva brasileira em áreas profissionais e sociais fora da habitual “bolha dos já convertidos”, além de maior ênfase em sua internacionalização política, cada vez mais importante em conjuntura mundial marcada por políticas regressivas. Finalizando, o professor citou o sociólogo Richard Sennett, em seu livro Juntos: “somos capazes de cooperar mais profundamente do que imagina a atual ordem social”.