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Aulas remotas na Saúde Coletiva: superação das limitações não esconde desigualdades e desafios

A realidade do ensino mudou radicalmente com a pandemia. A exigência do distanciamento social colocou como única opção o uso das ferramentas remotas. Contudo, um cenário educacional já cheio de desafios viu alguns desafios se ampliarem ainda mais. Neste setembro, quando todas as instituições já estão com, ao menos, um ano dessa experiência, coordenadores dos fóruns de graduação e pós-graduação da Abrasco apontam limitações e desafios enfrentados e as perspectivas para os novos semestres.

O contexto inicial da emergência da Covid-19 se apresentou de forma complexa e ambígua para o conjunto do ensino superior, em particular, para o campo da Saúde Coletiva. “Se por um lado tratava-se de um momento que evidenciava a relevância do sanitarista e se apresentava como um cenário profícuo na formação desse profissional, por outro, representava tempos de muitas incertezas, especialmente quanto à magnitude e duração da pandemia”, ressalta Livia Teixeira de Souza Maia, coordenadora do curso de Saúde Coletiva da UFPE e coordenadora do Fórum de Graduação.

Livia liderou o levantamento realizado pelo Fórum ano passado e que foi apresentado no colóquio “Saúde coletiva, formação e trabalho“, dentro da programação da Ágora Abrasco em 1º de setembro. Logo no primeiro momento da pandemia, ainda em março de 2020, as instituições tiveram diferentes caminhos: algumas iniciaram as atividades no formato de ensino remoto emergencial imediatamente dentro do calendário acadêmico regular. Outras, iniciaram de forma suplementar ou passaram a oferecer disciplinas flexibilizadas. Junto a esse movimento, buscaram desenvolver parcerias e ações de extensão e pesquisa relativas ao enfrentamento da Covid-19.

Enquanto esses diferentes tempos foram vividos, as universidades buscaram realizar avaliações das condições dos discentes e a estruturação de estratégias de fornecimento de equipamentos de informática e de acesso à internet. Vale ressaltar que coube individualmente às universidades e aos centros de ensino e pesquisa a responsabilidade pelo levantamento das condições de docentes e discentes, bem como a compra e distribuição de equipamentos, sem ter havido um programa unificado ou apoio institucional do Ministério da Educação, de suas agências de fomento, como a Capes e CNPq, nem dos demais ministérios, como Saúde ou Ciência, Tecnologia e Inovação.

A incorporação de novas tecnologias digitais possibilitou a qualificação e diversificação dos recursos pedagógicos, como produção de videoaulas, podcasts e materiais audiovisuais adaptados para smartphones. A ampliação de metodologias ativas, com maior protagonismo e autonomia dos alunos no processo de aprendizagem, foi outro ponto positivo listado.

Contudo, o acesso a esses recursos ainda se mostra desigual. “Há de se reconhecer que as desigualdades foram agravadas”, ressalta Lívia. Ela lembra também que a necessidade de se manter as atividades laborais ou de estágios remunerados provocou muitos questionamentos no interior dos cursos. Junto a tantas mudanças, essas questões evidenciaram as dificuldades com a saúde mental, percebidas pelo conjunto das comunidades acadêmicas. 

“Passado um ano longe do espaço da universidade percebem-se, simultaneamente, afastamentos, estranhamentos e a reafirmação de que a formação na saúde coletiva necessita do encontro presencial para a garantia de sua qualidade, especialmente em componentes relacionados a atividades práticas e estágios. O cenário da pandemia da Covid-19 não pode ser entendido como uma oportunidade, mas, sem dúvida, tem gestado profundos conhecimentos e transformações. A graduação em saúde coletiva vivenciou os mesmos desafios das graduações em saúde, colocadas à prova em um momento tão desafiador e desigual. O instante seguinte precisará retomar muito do que ficou para trás, ao mesmo tempo que permita avançar no sentido de reduzir os danos causados, incorporar as lições aprendidas e prosseguir na formação de sanitaristas competentes e comprometidos com a qualificação do Sistema Único de Saúde”, resume a coordenadora do Fórum de Graduação em Saúde Coletiva.

Pandemia evidencia necessidade de novas métricas para os PPG: A avaliação dos coordenadores do Fórum de Pós-Graduação compartilha algumas perspectivas das vivenciadas na graduação. Para Ricardo Mattos, com a pandemia , a pós-graduação brasileira tem demonstrado a sua verdadeira missão. “A capacidade de reinvenção dos programas de pós conseguiu apresentar ao país e ao mundo que a adversidade não só auxiliou na construção de novas formas de ensinar e aprender, como também ajustou os tempos entre a necessidade social e a produção de conhecimento e as respostas por meio da pesquisa”.

O Fórum de coordenadores de Pós-Graduação em Saúde Coletiva também realizou o seu colóquio dentro da programação da Ágora Abrasco em 8 de setembro de 2020. Na sessão “O papel da Pós-Graduação em Saúde Coletiva no enfrentamento à Covid-19foram apresentados os ajustes feitos pelos PPG nas cinco regiões brasileiras. À ocasião, Anya Vieira Meyer, coordenadora do Mestrado em rede em Saúde da Família (Renasf) e pesquisadora da Fiocruz-CE, ressaltou que o papel social dos Programas seria vital na pandemia, análise que reitera passado um ano. “O fato de a nossa área formar quadros para o SUS nas mais diversas instâncias forçou uma saída da zona de conforto. Tivemos de nos repensar e reestruturar de forma muito rápida. No geral, a resposta foi positiva. Os programas foram muito ágeis na tarefa de reorganização e nessa luta contínua pela qualidade de ensino e engajamento nas ações sociais, de extrema importância para o enfrentamento dos desafios da saúde pública em nosso país”.

Para a coordenadora, essa particularidade da área da saúde fez com que os estudantes dos PPG sofressem uma carga a mais nesse processo. “Eles estavam muito afetados do ponto de vista profissional e emocional, e viver essas demandas em várias frentes afeta suas disponibilidades. Não passamos ilesos por esse processo”, frisa Anya, ressaltando também o crescimento da solidariedade, interna nos cursos, e entre os PPG. 

A visão é compartilhada por Ricardo, para quem a pandemia construiu pontes e possibilidades para enxergar novos rumos para os PPG, “onde talvez a competição e o ranqueamento dê lugar a produção compartilhada de conhecimento”, ressalta. Ainda assim, o docente frisa que não é possível fazer uma avaliação universalizada sem levar em consideração as diferenças tão gritantes no Sistema Nacional de Pós-Graduação. “Vivemos em um país muito desigual, sobretudo no acesso à pós-graduação, e sabemos que a pandemia acentuou as iniquidades entre pessoas pretas, trans, periféricas e tantos outros grupos vulnerabilizados. Assumir esses limites, estudar o perfil de abandono dos alunos e se reinventar para cumprir efetivamente o nosso papel me parece urgente e necessário”.

Para os coordenadores do Fórum, as idas e vindas nos prazos para o preenchimento da Plataforma Sucupira e todo o cenário vivenciado em meio a esse grande desafio da pandemia, que ainda não acabou, exigem posturas diferentes das que MEC e da CAPES têm tomado atualmente. “Diante desse quadro, não vejo outra opção a não ser pensar novas métricas que comportem esse lugar solidário de produção na avaliação”, completa Mattos, destacando que o coletivo organizado na Abrasco tem participado de maneira ativa da construção dessas métricas. “Resta, em um jogo político complexo, afetar o Colégio da Vida e os demais colégios para a produção de novas e profundas revisões de métricas, onde certamente a transformação de realidades e a solidariedade entre os programas seja contemplada”, conclui Ricardo Mattos.

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