Cerca de 200 participantes marcaram presença na abertura dos trabalhos do Encontro Científico Formação Profissional em Saúde e Ensino da Saúde Pública, que discute novos caminhos para a qualificação profissional e constituição de novas lógicas para a constituição de mão de obra no setor. Estudantes, docentes de Graduação e Pós-Graduação, pesquisadores, gestores e trabalhadores ocuparam um dos pavilhões do Centro de Convenções e Eventos Costa do Descobrimento, e já na abertura perceberam quão rico em troca de ideias e formulações de novos caminhos para a Saúde e a Educação será o encontro.
A cerimônia oficial contou com a presença de inúmeras autoridades locais e nacionais, num claro sinal de prestígio para com as entidades organizadoras: a Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco -, o Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia – ISC/UFBA -, e a Universidade Federal do Sul da Bahia. Os representantes dessas instituições, também coordenadores científicos do evento, foram os primeiros a fazer uso da palavra.
“Precisamos reconhecer que o SUS deve ainda uma política de gestão de trabalho em Saúde que organize a atuação profissional nos serviços e nas instituições de ensino”, declarou Luis Eugenio de Souza, dando a tônica das demais intervenções. Para o presidente da Abrasco, a criação do Programa Mais Médicos, do governo federal, colocou na agenda política o trabalho e a formação profissional na área, o que exige uma outra postura frente ao SUS, que, na sua opinião, deve se abrir para ser uma grande sala de aula em todos os espaços da rede de serviços. “Precisamos superar os muros da formação profissional e o excludente profissionalismo, quebrando as fronteiras das carreiras da saúde. Como avançar nessas trincheiras é o que esperamos que esse encontro possa nos ajudar a identificar”, destacou.
Na sequência, a professora Isabela Cardoso Pinto, diretora do ISC/UFBA, contou sobre a gênese do evento. “Esse seminário foi fruto de uma grande ousadia. Pensamos um evento onde pudéssemos dialogar sobre a formação em Saúde, mas provocando um debate com diferentes atores e iniciando uma cruzada nacional capaz de sensibilizar e envolver a todos na discussão sobre os perfis necessários ao SUS para fazer a mudança do modelo de atenção, debate esse fruto do movimento da Reforma Sanitária Brasileira”. Isabela reforçou ainda que ações fragmentadas e pontuais não responderão às atuais demandas e necessidades do país. “Não será com reformas curriculares nos 14 cursos da área da Saúde que responderemos a esses desafios.”
Anfitrião do evento, o professor Naomar de Almeida Filho, reitor da UFSB, expressou sua felicidade em fazer do encontro primeiro seminário científico público da nova universidade, que abrirá suas portas no segundo semestre deste ano. “Uma parte importante do que está se passando na educação superior precisa ter como modelo a construção da área da Saúde Coletiva, esse grande movimento na história do mundo que resultou em mudanças nos sistemas de saúde”, disse Naomar, ao comentar que, sem essas mudanças, as perversões históricas da sociedade brasileira se perpetuarão. “Nosso desafio é pensar como fazer um sistema de saúde que introduz a iniquidade social no diferencial da qualidade, e não mais como clivagem de acesso, e como fazer com que o sistema de formação profissional deixe de contribuir com essa máquina de desigualdades”, reforçando que Saúde e Educação têm pautas convergentes. O reitor ainda fez o convite, desde já, para Porto Seguro sediar o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, o Abrascão, em 2018.
O SUS e a Bahia: Após as palavras dos coordenadores científicos, as autoridades presentes reforçaram os votos para um bom evento. A primeira foi a representante da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz -, professora Nísia Trindade, vice-presidente da para as áreas de Ensino, Informação e Comunicação. “A discussão que temos para repensar a universidade e a formação no campo da saúde têm sido trabalhados pela Abrasco e por muitas das nossas instituições aqui representadas. Assim como a criação das novas universidades, esse dabate oferece um lastro importante por pensar a sociedade de forma inclusiva. Nós da Fiocruz nos colocamos como parceiros dessa nova instituição”, ressaltou Nísia.
Na sequência, Wellington Couto, secretário de Saúde do Estado da Bahia, colocou tanto a infraestrutura e serviços quanto os problemas do Estado à disposição da nova universidade e para as ideias que surgirem do evento. “Essa sintonia que fazemos entre academia e serviços é fundamental para a sustentabilidade de tudo aquilo que mais prezamos: colocar o nosso trabalho à disposição das pessoas, tratando a saúde como um bem para as pessoas”.
Cláudia de Oliveira, prefeita de Porto Seguro, falou em nome dos demais alcaides das cidades-sede da UFSB. “Atualmente a cidade de Porto Seguro possui grande responsabilidade, sendo município-sede da região de saúde para mais de 300 mil habitantes, um desafio para as qualidades dos serviços prestados. E essa qualidade inicia-se na educação, promoção e prevenção, conhecimento das práticas, na integralidade do atendimento. Saúdo a todos vocês por trazerem esse debate para nossa cidade”.
A Saúde Coletiva na visão dos ministros: As falas finais foram dos ministros de Estado Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para Mulheres, Arthur Chioro, da Saúde ambos professores de Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Eleonora iniciou sua fala abordando o papel do tripé classe, gênero e raça como lente principal para o desenvolvimento de políticas públicas que visem a reduzir as diferenças sociais. “Essas necessidades diferenciadas chamam para a universalização do acesso, universalização dos direitos, e universalização da qualidade da prestação do serviço”. Para isso, segundo a ministra que representou o ministro da Educação, Gilberto Paim, a porta de entrada para essas garantias é a mudança na lógica da formação universitária. O primeiro passo, para Eleonora, já está dado: a expansão do ensino superior federal fora dos grandes centros. “Isso foi fundamental ao levar o conhecimento para onde o povo está, no Brasil profundo, e mudar a formação profissional em nosso país, invertendo a lógica da elite brasileira”.
Os avanços e limites da saúde brasileira foram os assuntos abordados por Arthur Chioro em seu pronunciamento. “Há 25 anos, nossa agenda médico-sanitária, epidemiológica e ambiental era marcada por um certo cenário. Nesse curto espaço de tempo, batalhamos por um SUS que se colocou de maneira antagônica ao neoliberalismo, uma política pública que aposta na solidariedade, no Estado e no controle social.
Para o ministro, há importantes avanços da Saúde que fazem parte do SUS e não são assim computados, como o desenvolvimento do saneamento básico, com investimentos de mais de 30 bilhões nos últimos três anos, além de conquistas e consolidações como o Programa Nacional de Imunizações, a política de assistência farmacêutica, o SAMU, “um sistema nacional de atenção pré-hospitalar consolidado em um país continental em menos de 10 anos”, entre outros. “Mas se tem uma área que estamos devemos é a política de formação do trabalho em saúde, que apesar de estar na [lei nº] 8.080, não fizemos. Temos uma capacidade de acumulo de bens muito rápida, mas a mesmas velocidade não se dá na prestação de serviços qualificados”.
Chioro ainda destacou a polêmica dos Mais Médicos, e que o programa serviu para mexer na visão da prestação da saúde. Cabe ao Ministério e às universidades, segundo ele, fazer essa mudança. “O desafio é olhar o que as pessoas estão dizendo. Quando as pessoas pedem mais saúde eles querem dizer o que esse modelo centrado no médico, na doença deve ser superado. Tenho conclamado as universidades a esse desafio. É no nosso cenário de práticas que o processo de ensino e aprendizagem vai se realizar – não dentro da redoma dos hospitais universitários”, detalhou o ministro, reforçando que a formação em saúde no país deve abraçar os processos de formação singulares para dar conta de atender uma sociedade extremamente diversificada, mesmo com a redução dos índices de pobreza.
O perfil desses profissionais também foi destacado pelo ministro, afirmando que não somente formados em Saúde Coletiva poderão dar conta desse cenário. “Precisamos sim que o saber da Saúde Coletiva seja elemento constitutivo das práticas profissionais, e que auxilie a formação das demais áreas, pois vamos precisar continuar a formar intensivistas, especialistas, enfermeiros, físicos nucleares. Isso não significa que esses profissionais tenham de ser alienados, mas sim que precisam ser elos da transformação social. É fundamental garantir que o processo de formação e educação permanente seja feito imerso no cotidiano do SUS, nos diferentes territórios e diferentes situações”.