Cientistas de diversas partes do mundo prestigiaram a abertura oficial da 27ª Conferência Internacional de Epidemiologia Ambiental – ISEE 2015 – no grande auditório do Centro de Convenções Rebouças na manhã desta segunda-feira, 31 de agosto. O coquetel de boas-vindas aconteceu na tarde do domingo, 30, e as atividades pré-congressuais ocorreram no sábado, 29, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
A mesa de abertura foi coordenada por Nelson Gouveia, presidente da Conferência, que concedeu a palavra a José Octavio Auler, diretor da FMUSP; e a Maria Amélia Veras, da coordenação da Comissão de Epidemiologia da Abrasco.
O professor Auler felicitou a realização do evento nas dependências da Faculdade e do Hospital das Clínicas e da importância da Epidemiologia Ambiental nos dias atuais. “Estou muito feliz em ver a realização desse evento que destaca as iniquidades em saúde e suas relações com o meio ambiente e parabenizo o desempenho do nosso professor, o doutor Nelson Gouveia, que trabalhou duro para montar a programação científica do evento. Minha expectativa é de muito sucesso para a Conferência”.
Em nome da Abrasco, Maria Amélia ressaltou os desafios ambientais e o alto grau de iniquidades vividos no Brasil e a importância dessa agenda para a conjuntura nacional. “Desejamos um encontro produtivo, que estimule o envolvimento de novos pesquisadores e a organização de grupos de pesquisas voltados ao tema, e que os jovens cientistas brasileiros presentes espelhem-se no caminho trilhado pelo professor Nelson e que liderem esse tema no futuro.”
Na sequência, Francine Laden, presidente da International Society for Environmental Epidemiology (ISEE), procedeu com a entrega do Prêmio John Goldsmith, uma homenagem à memória de um dos fundadores da Sociedade, falecido em 1999, e que prestigia pesquisadores responsáveis por trabalhos de destaque dentro do campo, indicados anualmente pelo Conselho diretor da ISEE. Howard Hu, pesquisador da Universidade de Toronto, foi o premiado da edição 2015 e recebeu das mãos o certificado de David Goldsmith e Julie Cwikel, filhos de Goldsmith e também epidemiologistas ambientais. “Professor Hu nos honra em ser o indicado deste ano por seguir os caminhos de meu pai, tanto como pesquisador ambiental e médico”, disse Julie. David Goldsmith reiterou que a questão ambiental, seus pesquisadores e ambientalistas merecem ser respeitados e convocou os presentes a se posicionarem sobre o assassinato de Raimundo Rodrigues, conselheiro da Reserva Biológica do Gurupi (MA), no último dia 25. “Ele era um dos líderes da defesa da Amazônia Legal e somou-se à longa lista de assassinados no Brasil por conta da luta ambiental. Convido a todos os cientistas e à ISEE a registrarem junto ao governo brasileiro nossa indignação frente a este e a tantos outros assassinatos e que se faça uma completa investigação sobre o caso”.
Por um Big Data em prol das populações: Para manter a tradição, o indicado ao Prêmio John Goldsmith abre as plenárias centrais das conferências da ISEE, nomeadas Plenaries Lectures. Howard Hu agradeceu a indicação aos membros do Conselho da Sociedade, levou o público às risadas ao contar um caso que exemplifica a diferença de linguagens recorrente entre médicos especialistas e da Saúde Pública, e falou do orgulho em receber o prêmio que leva o nome de um dos pesquisadores que mais o influenciaram no início da carreira. “Conheci John acho que em Berkeley, há 25 anos, e foi a família Goldsmith que me introduziu nos estudos ambientais, isso é uma coisa que vou dever a eles o resto da minha vida”.
Ao iniciar a abordagem sobre as possibilidades e os usos de grandes conjuntos de dados para a saúde e para o meio ambiente, Howard Hu questionou os sentidos desse fenômeno Big Data. “Ouvimos falar da revolução do Big Data todos os dias, nos jornais, revistas. Dizem que ele irá mudar o mundo em que vivemos. Mas isso é somente um lado da história”, argumentou Hu.
Interesses econômicos têm movido as grandes corporações a tratar o Big Data como “um mantra para a organização de nossa sociedade”. “É necessário ver quem produz esses dados, quais dados são esquecidos e quais interesses estão em jogo”, disse Howard Hu citando o uso propagandístico de grandes empresas da área da tecnologia e inovação interessadas em associar seus bancos de dados ao tema da saúde e a perspectiva de recentes estudos publicados em grandes revistas científicas em marcar o uso dos dados para uma nova época da Saúde Pública.
O centro das críticas do acadêmico foram destinadas ao programa do governo norte-americano batizado de Precision Medicine Iniciative (Iniciativa em Medicina de Precisão, numa livre tradução). Lançado no início deste ano, recebeu investimentos de cerca de 20 milhões de dólares para ampliar estudos biológicos e sub-coortes coordenados pelo National Institutes of Health (NIH). “Infelizmente, a Iniciativa não é Saúde Pública. O interesse é apontar caminhos para a descoberta de novos medicamentos, o que ficou claro nos seminários de divulgação”, sentenciou Howard Hu.
Para o pesquisador, são válidos e necessários os esforços para a identificação de marcadores biológicos que reconheçam os efeitos das exposições ambientais. No entanto, a ideia do acompanhamento de todas as fases do desenvolvimento humano das próximas gerações por cruzamento de biomarcadores e bancos de dados integrados não lhe parece a melhor forma de alcançar resultados em saúde pública. “Não sou otimista de que a Iniciativa trará vantagens e desenvolvimento para a saúde pública”, disse ele, que criticou ainda a confusão feita por muitos estudos no conceito de exposição ambiental, que vem agregando fatores externos, como tabagismo, obesidade e religiosidade, em suas análises.
Hu defende que o uso do conjunto de dados seja realmente afinado com os interesses da população e reforçou os 4 Vês fundamentais para um bom uso do Big Data: Volume (da escala de dado); Variedade (de fontes e origens das informações); Velocidade (na análise dos dados); e Veracidade (dos dados).
Mais do que atender as mesmas pessoas e interesses, ele acredita que um Big Data populacional deva servir justamente para os demais segmentos e populações marginalizadas, como sem-teto, e indígenas, e utilizar dados de fontes diversas, para além das dos sistemas de saúde, como urbanização, transporte, entre outros, e tentar responder as reais e necessárias hipóteses.
Verde que te quero verde: Numa brincadeira com o título de um best-seller mundial, Mark Nieuwenhuijsen, apresentou a comunicação 50 tons de Verde. Pesquisador do Centro de Recerca em Epidemiologia Ambiental (CREAL), da Catalunha, Espanha, ele apresentou uma substanciosa meta-análise de dados que indicam, com variados níveis de causalidade, benefícios e prejuízos das áreas verdes nos espaços urbanos.
A fixação da maioria da população humana em cidades tornou-se uma realidade mundial na última década, consolidando essa forma de ocupação do espaço como fonte de riquezas econômicas, mas também de crimes, de doenças e de insatisfação. Levantamento do CREAL em mais de 20 países da Europa comprova a tese de quanto maior a área verde nas cidades, maior será o grau de satisfação da população com o espaço que habita.
Ainda que não existam metas e recomendações de organismos como a OMS sobre tamanhos ideais e mínimos de áreas verdes nas cidades, os dados apresentados por Mark Nieuwenhuijsen comprovam uma verdade esquecida: habitantes de áreas rurais e de cidades com grandes áreas verdes apresentam menos distúrbios de humor; praticam mais atividades físicas; interagem mais com a vizinhança e com o espaço público, desenvolvendo maior senso de comunidade.
“Precisamos de cidades verdes para termos pessoas mais saudáveis. No entanto, ficam algumas questões que precisam ser respondidas. Daí a importância das pesquisas e do trabalho de sociedades científicas em reunir dados e argumentos”, disse Nieuwenhuijsen.
Boa parte desse trabalho ele expôs na conferência, ao trazer dados de pesquisas e revisões sistemáticas já realizadas. Como exemplos, citou o estudo sobre área verde da Grande Londres, responsável por remover entre 852 e 2.212 toneladas de partículas PM10 anualmente. Os planos de aumento em da área verde, dos atuais 20% para 30%, esperam ampliar a redução de partículas para até 2,6% do atualmente conseguido para os próximos 40 anos (Tallis et al, 2011). A frequência de exercícios físicos em adultos, quase quatro vezes maior em cidades com mais de 80% de áreas verdes (Astell-Burt et Al, 2014), também foi outro estudo destacado, além de estudos sobre redução de asma em crianças; redução de problemas mentais; redução do tempo de recuperação em hospitais; redução da pressão arterial; interferência na atividade do córtex pré-frontal; capacidade de memória; redução da mortalidade; entre outros trabalhos realizados com as mais diversas técnicas e metodologias e por diferentes centros de pesquisa.
“Estou falando dos aspectos positivos e de importantes achados científicos, mas há também riscos relacionados às áreas verdes”, destacou o pesquisador. Dentre eles, listou o aumento de acidentes devido a causas naturais e climáticas, como tornados e terremotos e a doença de Lyme, transmitida por carrapatos e outros insetos que habitam árvores.
Mark Nieuwenhuijsen ressaltou também que efeitos e evidências dizem também diretamente das áreas verdes envolvidas, que podem ser florestas urbanas; ruas arborizadas; alamedas separadas e distribuídas; parques infantis. “Ainda temos muitas pesquisas a serem desenvolvidas para novas afirmações, principalmente estudos longitudinais, de intervenção e testes efetivos com prescrição médica para avaliação da prática clínica. O importante é plantarmos árvores e colhermos resultados.