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Biotecnologia e indústria farmacêutica no Brasil

Reinaldo Guimarães *

Os medicamentos biológicos ainda ocupam uma parcela relativamente modesta no mercado mundial de medicamentos. Em 2017 (IMS Health), estima-se que venham a representar cerca de 20% (US$ 220 bilhões) daquele mercado. Entretanto, dentre os diferentes segmentos do mercado global de medicamentos, os biológicos são os que apresentam a maior taxa de crescimento. Entre 2002 e 2012, cresceram 64% em vendas.

Os três principais grupos de produtos que compõem o segmento dos biológicos são as proteínas terapêuticas (insulina, somatotropina, enzimas corretivas de doenças genéticas, eritropoietina, interferons, etc.), os anticorpos monoclonais (mAbs) e as vacinas. A dinâmica do mercado de cada um deles entre 2010 e 2015 é apresentada na tabela. Os líderes de vendas são as insulinas e quatro dentre os mABS (BCC Research).

20102015Variação Anual %
Proteínas Terapêuticas721078,2
Anticorpos Monoclonais488612,4
Vacinas29469,66
TOTAL1492399,9

US$ bilhões

Os desafios para o desenvolvimento e produção de biológicos não são pequenos, dadas a complexidade das moléculas envolvidas e a variabilidade natural dos processos biológicos. São essas características que não recomendam a utilização do termo ‘biogenéricos’, para produtos concorrentes aos de referência e por esse motivo foi cunhado o termo ‘biossimilares’. Parte importante do esforço das empresas no campo dos biológicos, incluídas aí as grandes multinacionais, dirige-se atualmente para o desenvolvimento destes. O mercado global de biossimilares é ainda pequeno, estimando-se para 2015 o valor de US$ 3,7 bilhões em despesas de P&D. Entretanto, é aí que residem as maiores oportunidades em países em desenvolvimento, haja vista a previsão de que até 2020 doze produtos cujo mercado global atual é de US$ 76 bilhões, terão suas patentes extintas (PPD White Paper). É nesse nicho que se assentam as maiores possibilidades da indústria brasileira no campo de biológicos.

Não são triviais os desafios para uma entrada bem sucedida de nossa indústria nesse campo. Há desafios técnicos de grande monta, bem como desafios no campo regulatório. Nestes,
além dos relacionados aos procedimentos para registro, acrescem a normatização quanto à pesquisa clínica, à intercambialidade (substituição) e à nomenclatura dos produtos.

A primeira norma para registro de biossimilares foi publicada em 2001 pela agência europeia EMA que, entretanto, só a consolidou em 2006 (AMGEN). A partir desta os demais países começaram a lançar diretrizes e a Anvisa lançou a sua em 2010. O ineditismo e a complexidade dos problemas envolvidos no lançamento de produtos, aliados a permanente tensão entre a segurança para os pacientes e as necessidade das empresas, têm feito com que essas normas estejam em quase permanente revisão. Não é por outro motivo que o FDA até hoje considera a sua norma para registro como provisória (draft).

No campo da pesquisa clínica, as dificuldades entre nós são bem conhecidas e o principal desafio consiste na aceleração dos procedimentos autorizativos por parte da CONEP e
da Anvisa. Nesse campo, a nossa vantagem competitiva é a composição multiétnica da população bem como o seu tamanho e a existência de pessoal qualificado para realizar os
ensaios. A entrada das empresas nacionais no campo dos biológicos tornará ainda mais urgente a resolução das dificuldades remanescentes.

Um dos problemas mais complexos no terreno de biossimilares reside na possibilidade de intercambiar produtos. Como não há perfeita identidade entre biossimilares com idênticas indicações, a possibilidade de intercambiar um produto prescrito gerou polêmica e normatização divergente entre países. Neste caso, a mais permissiva é a norte-americana
e a mais restritiva a europeia. A dificuldade em chegar a um consenso levou a Organização Mundial da Saúde a abster-se de dar uma orientação, remetendo o problema às autoridades de cada país. Essa é uma discussão que terá que ser travada entre nós.

Outra questão relevante é a nomenclatura dos biossimilares. As empresas fabricantes de produtos de referência pretendem que a Nomenclatura Não-Proprietária Internacional (INN) não seja utilizada. A Organização Mundial da Saúde, que coordena o desenvolvimento da INN, pretende que esta seja fortalecida. A experiência brasileira com a nomenclatura dos genéricos nos parece um caso de sucesso. Talvez seja o caso de estendê-la aos biossimilares aqui fabricados.

Nesses dois aspectos, o que é certo é que o sistema nacional de farmacovigilância terá que ser amplamente fortalecido. Essa providência terá a virtude de minimizar problemas, tanto de substituição de biossimilares quanto os relacionados à sua nomenclatura.

Três comentários finais sobre a nossa entrada nos biológicos:

1. Tal qual no cenário global, no Brasil, as questões relativas aos princípios ativos e aos medicamentos produzidos por rotas de síntese, genéricos ou não, ainda por muito tempo serão os carros-chefes do nosso mercado e da indústria. A entrada em cena dos biológicos produzidos no país não substituirá essa pauta política, que permanecerá viva ainda por muito tempo, ocupando boa parte de nossas energias. A nova porta que se abre é uma incorporação de novos desafios a uma pauta que permanece.

2. Biológicos costumam ser caros e boa parte deles está fora das possibilidades de aquisição direta por parte das famílias. Daí a importância do mercado público no desenvolvimento dessa nova rota que se abre aos fabricantes nacionais. Para que haja o fortalecimento desse mercado, será necessário fortalecer e consolidar as políticas de desenvolvimento produtivo nas suas dimensões da utilização do poder de compra do Estado e do estabelecimento de parcerias produtivas. Para tanto, cabe a nós apoiar as medidas governamentais que visem esses fortalecimento e consolidação, bem como fazer a nossa parte enquanto produtores aderentes a essa política. Para isso é essencial que os critérios que sustentam as políticas de desenvolvimento produtivo sejam devidamente levados em conta, a saber: (1) a efetiva produção local; (2) a manutenção da qualidade; (3) a crescente verticalização do desenvolvimento e produção, com efetiva transferência e/ou geração autóctone de tecnologia; (4) o esforço permanente de manter os preços finais dos produtos em trajetórias cadentes em relação aos produtos de referência.

3. A entrada no desenvolvimento e produção de biológicos enseja a possibilidade de um alargamento do espaço de P&D nas empresas nacionais. Aumenta, portanto, a oportunidade de aproximar as empresas maiores que estejam dispostas a entrar nesse novo mercado, de pequenas companhias, de start-ups biotecnológicas e mesmo de grupos de pesquisa com visão de desenvolver produtos.

* Reinaldo Guimarães é 2º Vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA).

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