Resumindo, em 2016 tivemos um golpe sem militares e nesse final de 2018 temos militares sem golpe. Vida que segue.
A vitória de Bolsonaro veio recheada de propostas variadas de mudança institucional, que apresentam duas características comuns.
A primeira é a aparente improvisação, que se reflete nas idas e vindas em relação a várias delas.
A segunda é o seu caráter imperial-autoritário, cujos paralelos devem ser procurados, talvez, no início dos governos Jânio Quadros e Fernando Collor.
Nessas propostas, o campo da ciência, tecnologia e inovação produtiva tem sido objeto de propostas que, no meu modo de ver, caso efetivamente implementadas, atingirão de modo importante o nosso já combalido Sistema Nacional de Inovação.
Preliminarmente, vale observar que seja qual for o formato final das mudanças propostas, há uma variável que sobredetermina tudo o que vier.
A continuar, a compressão orçamentário-financeira no setor observada desde 2015 e agravada pela aprovação da emenda do teto de gastos que deverá ser mantida pelo governo eleito, tornará inócua tanto a discussão do novo modelo quanto os seus efeitos concretos.
Além dos problemas postos por essa conjuntura atual, o nosso sistema de inovação possui um defeito estrutural, herdado do nosso já velho processo de industrialização, que se manifesta num desequilíbrio entre oferta de conhecimento e demanda industrial e de serviços por novos produtos e processos.
Na falta de uma demanda consistente resultante de indústria e serviços defasados tecnologicamente e pouco competitivos em muitos setores, a balança foi sempre pressionada para o lado do fomento à oferta.
Mesmo nos últimos 20 anos, quando no Brasil o objetivo de inovar passou a governar a retórica e muitas das ações governamentais, não se logrou equilibrar a balança, apesar de alguns programas bem-sucedidos nos dois lados da balança.
No meu ponto de vista, a proposta de entregar a política industrial, na qual está embutida a inovação produtiva, ao chamado “superministério” da economia, o que no tempo atual significa deixá-la às ordens do mercado financeiro, certamente fará com que aqueles programas bem-sucedidos de estímulo à demanda – pelo menos os federais, que são a maioria – sejam esterilizados.
Em particular, num momento em que o principal agente histórico de estímulo à demanda no Brasil e principal ator no terreno da política industrial – o BNDES – seja objeto de discussão sobre se deve ou não continuar a existir mais além de financiar as já prometidas privatizações.
No outro prato da balança, vale registrar caso seja confirmada, a correta retirada do setor de comunicação do MCTI, lá colocada por Temer para atender exclusivamente ao interesse político de seu ministro atual.
E, igualmente, vale registrar e discutir a proposta de transferência da gestão da política para o ensino superior do MEC para o MCTI.
A experiência internacional quanto à arquitetura da gestão pública de ciência/tecnologia e educação é muito variada.
Há países onde ciência e educação superior estão em um mesmo ministério (França, p. ex.), outros onde estão separadas (Coreia, p.ex.), outros nos quais ciência e tecnologia são tratadas igualmente em mais de um ministério (China, p.ex., onde há um Conselho de Estado acima dos ministérios que organiza as ações) e ao menos um país onde não há ministério da educação em nível federal, que é o Canadá.
Portanto, parece não haver uma regra de ouro para esse assunto. Ele deve ser tratado de acordo com as vocações e características de cada país.
Segundo o INEP/MEC, um retrato sintético recente da educação superior no Brasil é o seguinte: 8,2 milhões de matriculados sendo cerca de 1/3 em cursos à distância, 88% do total de matrículas em instituições privadas, a grande maioria com fins lucrativos e pouco mais de 50% do total de matriculados em universidades.
Já segundo a CAPES/MEC, na pós-graduação o quadro em 2015 era: 122,3 mil estudantes matriculados, sendo 42 mil doutorandos e 80,3 mil mestrandos. A pós-graduação representa, portanto, cerca de 1,5% da educação superior
No Brasil, a contribuição importante do ensino superior à produção científica e tecnológica é quase exclusivamente obra da pós-graduação e a pergunta a ser feita é: qual o sentido de afogar o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação numa carga de responsabilidades onde apenas uma muito pequena proporção da mesma tem relações diretas e significativas com a sua missão?
E, do outro lado da moeda, qual o sentido de fragmentar o âmbito decisório da política educacional separando o componente de terceiro grau do ensino básico, que devem estar em permanente sintonia, seja na formação de professores, seja no fornecimento de profissionais para o mercado de trabalho profissional?
Difícil responder a essas perguntas. A proposta simplesmente não faz sentido.
Confirmada a operação de transferência, o que teremos será provavelmente uma operação “perde-perde”.
Perderá a política de educação superior e perderá a política de ciência e tecnologia. Resta a interpretação de que a medida está sendo proposta para retirar a política de educação superior de um ministério “forte”, com grande capacidade de vocalização política, para um ministério com muito menor capacidade de comover legislativo e sociedade na batalha permanente por mais recursos.
O que se observa, portanto, é que o nosso já frágil sistema de inovação pode estar sendo erodido tanto pelo lado da oferta quanto do lado da demanda.
É o que sugerem essas duas propostas colocadas sobre a mesa pelo governo eleito. E não é muito de estranhar, haja vista o sentido de radical integração globalitária em situação de submissão que é, talvez, uma de suas duas grandes missões.
A outra, como já temos visto com mais clareza, é a instituição de uma República da Ordem Autoritária.
Reinaldo Guimarães é vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva.