7 de agosto de 2013
O Ministério da Saúde brasileiro está focando excessivamente na falta de médicos e deveria seguir o exemplo de países que investiram na formação de agentes comunitários e enfermeiras como forma de preencher gargalos no atendimento à população.
Essa é a opinião de Ilona Kickbusch, diretora do Programa de Saúde Global do Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais (IHEID, na sigla em francês), em Genebra. A especialista vê o Sistema Único de Saúde (SUS) como "modelo internacional quando o assunto é cobertura universal de saúde", mas prevê a necessidade de um novo plano nacional de saúde que desenvolva um sistema "mais horizontal, menos focados em médicos, mais participativo, que use tecnologias de maneiras inovadoras e seja mais voltado para prevenção". A entrevista foi feita pela BBC Brasil em genebra, Suíça.
"O governo federal precisa agora traçar um plano envolvendo a sociedade civil, as autoridades locais, as associações de profissionais de saúde. Assim como aconteceu uma iniciativa histórica para a criação do SUS, é momento de uma forte mudança nacional, não bastam atos simbólicos" disse ela à BBC Brasil.
Para Kickbusch, o programa Mais Médicos, que visa levar profissionais para regiões necessitadas e prevê a contratação de até 12 mil médicos — que eventualmente poderão ser estrangeiros — tem foco exacerbado nos médicos.
"A questão não é apenas sobre médicos, mas sobre agentes de saúde comunitários, enfermeiras e outros profissionais de saúde. Até porque grande parte dos problemas de saúde do Brasil hoje são doenças crônicas, para as quais o tratamento ou prevenção não necessariamente necessitam de um médico", disse.
Experiência escandinava
Ela cita como exemplo a experiência dos países escandinavos, que nos últimos dez anos têm investido crescentemente na ampliação do quadro de profissionais de saúde comunitária.
Segundo a especialista, é raro que médicos estejam dispostos a servir em áreas remotas ou rurais. Estimativas da OMS mostram que a oferta de médicos em áreas urbanas é de oito a dez vezes maior que nas zonas rurais.
A ideia de obrigar médicos e estudantes de medicina a trabalhar em áreas remotas, que está sendo contemplada no Brasil com um projeto em andamento no Congresso, encontrou resistência em outros países, como conta Jesse Bump, professor do Departamento de Saúde Internacional da Universidade de Georgetown, em Washington.
"É difícil ter esquemas ou políticas que obriguem os médicos a trabalhar em áreas rurais ou remotas. Alguns países tentaram isso, o Egito foi um deles, mas é muito difícil porque as pessoas têm direito de liberdade de movimento, é um assunto delicado".
Países como África do Sul optaram por trazer médicos cubanos ao país, por não conseguirem incentivar médicos a se estabelecer em áreas rurais. "Houve muita reclamação das associações de médicos sul-africanos, de que isso iria prejudicar o mercado nacional. Os mesmos argumentos que se ouve hoje no Brasil", diz Bump.
Para o Brasil, na opinião de Bump, a eventual opção pela contratação de médicos cubanos seria apenas uma solução "para mitigar a situação, por dois ou três anos". "No longo prazo, é preferível o investimento em profissionais locais. É preciso um plano nacional que preveja a saída dos profissionais cubanos e o que acontecerá depois. A medida dá uma janela de três a cinco anos para o governo estabelecer uma estratégia nacional que deve incluir a dimensão educacional", complementa Kickbush.
Clínica geral x especialização
A preferência dos profissionais pela especialização — mais rentável — em detrimento do atendimento como clínico geral tem sido um problema para o Ministério da Saúde, mas também causa dores de cabeça em outros países.
Kickbush diz que "ninguém quer ser clínico geral, isso acontece aqui na Suíça, no Quênia, no Brasil, em todo lugar". "A profissão de médico hoje valoriza as especializações, há poucos clínicos gerais e eles não são valorizados".
Ela propõe soluções como as implementadas na China, que prevê incentivos para o trabalho em áreas rurais.