Um levantamento exclusivo da CBN revela que Brasil tem cerca de 40 mil vagas de UTI: metade na rede pública e metade na rede privada. No entanto, apenas 25% da população têm algum tipo de plano de saúde.
Uma agonia que parece não ter fim: assim a vendedora Rosana Ambrósio descreve a angústia que viveu ao esperar uma vaga de UTI para o filho Edson, de cinco anos. O menino havia sofrido um traumatismo craniano após um grave acidente de carro em Cabo Frio, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Na falta de um leito de cuidado intensivo do SUS, a solução encontrada pelo pronto-socorro foi submeter mãe e filho a uma viagem de 130 quilômetros até São Gonçalo, na Região Metropolitana, onde estava a UTI livre mais próxima.
“Logo de imediato, falaram que ele não poderia ficar ali, que tinha que dar um jeito de arranjar um CTI para ele. Tinha particular, porém eu e meu esposo não tínhamos condições de pagar. Os médicos foram sinceros com a gente, falando que ele não teria muitas horas de vida. Mas, graças a Deus, meu filho está vivo hoje.”
A história de Edson e Rosana é um reflexo da desigualdade que hoje existe na distribuição de leitos de terapia intensiva no país. Segundo levantamento exclusivo da CBN, feito com números do Ministério e da Agência Nacional de Saúde, um brasileiro com plano privado tem três vezes mais chances de conseguir uma vaga de UTI do que uma pessoa que depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde.
Para a parcela da população que pode pagar, há um leito a cada duas mil 550 pessoas. Já para quem só pode recorrer ao SUS, essa razão é de um para sete mil 641. A brasiliense Maria do Socorro Queiroz, mãe do estudante Higor Queiroz, também viveu de perto os reflexos dessa disparidade. Há dois meses ela perdeu o filho, vítima de um câncer. Antes disso, lutou até o fim para garantir a ele o direito a uma vaga no CTI na rede pública do Distrito Federal.
“Descaso. Quando a gente precisa e que não consegue, a gente se sente um nada. Você está lutando pela vida de um ser querido, o governo tem como dar esse suporte e ele diz que não está nem aí, e pronto.” Hoje, há 40 mil leitos de cuidados intensivos no Brasil: metade está sob responsabilidade do SUS e metade pertence à rede privada. Mas, apenas um quarto da população tem plano.
Os outros 75% dos brasileiros contam apenas com o Sistema Único de Saúde como opção. Nesse contexto, o Rio de Janeiro registra a maior diferença entre leitos de CTIs públicos e privados. No estado, apenas 24% das vagas pertencem ao SUS. No entanto, 62% da população fluminense não têm um plano de saúde. Para a pesquisadora Lígia Bahia, da UFRJ, os números mostram que a discussão hoje não está mais centrada no déficit, mas na necessidade de distribuição mais igualitária dos leitos.
“É uma violência institucional ter um bem que pode salvar vidas e esse bem não poder ser utilizado pela população. Quer dizer, a vida de uma pessoa que tem plano de saúde vale mais do que a vida daquela que não tem”.
No ranking da desigualdade no acesso a UTIs, o Distrito Federal vem na sequência do Rio: 28% dos leitos existentes nesta unidade da federação estão na rede pública, mas 67% das pessoas não têm planos. Apesar da portaria que estabelece os critérios para a existência de leitos de UTI estar em vigor, o Ministério da Saúde diz que não trabalha com referência fixa e que o planejamento da expansão considera necessidades regionais, em respeito à autonomia de prefeituras e governos. Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu aos questionamentos da CBN sobre a desigualdade no acesso a leitos de UTI no país.