Para registrar o Dia Internacional da Mulher, a Cadernos de Saúde Pública, periódico científico da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) traz na sua edição de março a temática da presença feminina na produção e publicação científicas na sua capa e editorial. A imagem que ilustra o número eletrônico traz a professora Drª Celina Turchi, pesquisadora associada do Instituto de Pesquisa Aggeu Magalhães/Fiocruz – PE,
na Conferência “A resposta brasileira à emergência da epidemia pelo vírus Zika”, proferida em 11 de outubro de 2017, no terceiro e último dia do X Congresso Brasileiro de Epidemiologia – Epi2017, no CentroSul Centro de Convenções, em Florianópolis (SC).
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Leia abaixo o editorial das abrasquianas Marilia Sá Carvalho, Claudia Medina Coeli e Luciana Dias de Lima, editoras da CSP, ou clique aqui e leia na base SciELO ou no site do periódico.
Mulheres no mundo da ciência e da publicação científica
Por Marilia Sá Carvalho, Claudia Medina Coeli e Luciana Dias de Lima
Nos últimos meses, vimos grandes mobilizações de mulheres em vários países e setores, com propósitos diversos. Lutas feministas que se expressaram nas passeatas quando da posse do presidente americano, explicitamente misógino, e na resistência das brasileiras em defesa do direito ao aborto já tão limitado. O movimento se capilarizou e permitiu que viessem à tona diversos casos de abusos sexuais. As mulheres se fortaleceram para denunciar, compartilhando suas experiências por meio do MeToo (https://twitter.com/hashtag/MeToo).
Também entre cientistas, como não poderia ser diferente, denúncias de abuso apontam relações de poder que se estabelecem entre orientador e orientanda, entre cientista sênior e jovem em início de carreira, que levam a situações tão graves como as já mencionadas, afastando inúmeras e promissoras jovens mulheres da carreira acadêmica1. Tais situações fizeram com que Fundação Nacional de Ciências norte-americana passasse a exigir a notificação e a adoção de medidas de controle de assédio como condição para o repasse de recursos financeiros2.
Mais sutil é o preconceito no dia a dia, que temos tendência a negar, assumindo que o gênero não deveria ter qualquer influência na avaliação. Em recente revisão sobre o viés de gênero nas publicações científicas, verificou-se sub-representação das mulheres não só entre autores, mas principalmente entre revisores e editores3. O viés não é uniforme: na área de matemática as mulheres são somente 15% dos pesquisadores, sendo ainda menos representadas na editoria, apenas 10%4. A situação é ainda mais grave quando se analisa revistas com maior prestígio acadêmico como a Science. Examinando o primeiro e o último autores de amostra dos artigos publicados em 2015, verificou-se que a proporção de mulheres, seja como autor júnior ou sênior, era um terço menor do que a sua participação nas instituições acadêmicas norte-americanas5.
No Brasil, cerca de metade das publicações do quadriênio 2011-2015 foram de autoria de mulheres, um aumento expressivo comparado aos 38% do período 1996-2000. Entretanto, entre os pesquisadores que recebem bolsas de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) cujo objetivo é valorizar a produção científica, as mulheres estão mais presentes nos níveis mais baixos6. Em parte essa diferença pode ser explicada como resultante de um efeito coorte, mas também pode ser a reprodução de um padrão observado nas organizações em geral. Em cargos de chefia de alta hierarquia o número de mulheres é muito menor do que o de homens, mesmo em empresas com elevada presença feminina. Esse viés é reforçado pela posição da mídia: entre os cientistas citados em reportagens de um jornal, somente cerca de 25% eram mulheres. E não basta ao jornalista se justificar dizendo que os mais qualificados para responder eram homens7.
Resultados de estudo recente, que compara a produtividade e o impacto de artigos publicados segundo gênero, revelam que: a produtividade das mulheres é cerca de 30% menor do que a dos homens; gênero não tem efeito sobre o impacto dos artigos no grupo de autores mais produtivos; a diferença na produtividade é explicada nos modelos pela posição de maior senioridade e mais idade dos homens (um efeito de coorte)8. Ressalta-se que o trabalho considerou apenas artigos de autores suecos, país onde a regulamentação da licença maternidade está entre as mais igualitárias e extensas do mundo.
Algumas iniciativas para superar a desigualdade entre homens e mulheres na ciência vêm sendo propostas. Reconhecendo o viés de gênero, revistas do porte da Nature adotaram medidas que permitiram aumentar a proporção de mulheres revisoras de 14% para 22%, no período de 2011 a 20159. No Brasil, o último Congresso Brasileiro de Epidemiologia inovou ao promover a equidade de gênero em mesas e painéis10, critério que também tem orientado a atuação da Comissão Científica do próximo Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, a ser realizado em julho de 2018 11.
Mas ainda é muito pouco. Estimular a igualdade de gênero em CSP é nosso compromisso. Somos três Editoras-chefe mulheres, todas tivemos filhos e sabemos perfeitamente o esforço que foi necessário para chegar aqui. A participação de mulheres em nosso corpo editorial é de 50%, o que ainda é insuficiente considerando sua presença majoritária no campo da Saúde Coletiva. Ao pretendermos aumentar a participação feminina na ciência, precisamos dar visibilidade e posição destacada às mulheres. Essa é uma das melhores formas de atrair jovens para a carreira científica, contribuindo para um mundo mais justo, inclusivo e igualitário. Abracemos a diversidade de gênero!
REFERÊNCIAS
1. Williams JC, Massinger K. How women are harassed out of science: the discrimination young researchers endure makes America’s need for STEM workers even greater. https://www.theatlantic.com/science/archive/2016/07/how-women-are-harassed-out-of-science/492521/ (acessado em 24/Jan/2018). [ Links ]
2. National Science Foundation. Important notice to presidents of Universities and Colleges and heads of other National Science Foundation Grantee Organizations. (Important Notice, 144). https://nsf.gov/pubs/issuances/in144.pdf (acessado em 21/Fev/2018). [ Links ]
3. Helmer M, Schottdorf M, Neef A, Battaglia D. Gender bias in scholarly peer review. eLife 2017; 6:e21718. [ Links ]
4. Topaz CM, Sen S. Gender representation on journal editorial boards in the mathematical sciences. PLoS One 2016; 11:e0161357. [ Links ]
5. Berg J. Looking inward at gender issues. Science 2017; 355:329. [ Links ]
6. Valentova JV, Otta E, Silva ML, McElligott AG. Underrepresentation of women in the senior levels of Brazilian science. PeerJ 2017; 5:e4000. [ Links ]
7. Yong E. I spent two years trying to fix the gender imbalance in my stories: here’s what I’ve learned, and why I did it. https://www.theatlantic.com/amp/article/552404/ (acessado em 08/Fev/2018). [ Links ]
8. van den Besselaar P, Sandström U. Vicious circles of gender bias, lower positions, and lower performance: gender differences in scholarly productivity and impact. PLoS One 2017; 12:e0183301. [ Links ]
9. Lerback J, Hanson B. Journals invite too few women to referee. Nature 2017; 541. https://www.nature.com/news/journals-invite-too-few-women-to-referee-1.21337. [ Links ]
10. Veras MASM, Boing AF. 10º Congresso Brasileiro de Epidemiologia: uma construção solidária. Cad Saúde Pública 2017; 33:e00189517. [ Links ]
11. Campos GWS. A Saúde Coletiva em movimento: XII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão 2018). Cad Saúde Pública 2018; 34:e00019418. [ Links ]