NOTÍCIAS 

Desastre sem precedentes: Câmara dos Deputados aprova Pacote do Veneno e PL vai para o Senado Federal

Hara Flaeschen

Dep. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, encaminhou votação do Pacote do Veneno

Está prevista para esta quarta-feira (9/2) a votação do Pacote do Veneno (Projeto de Lei 6299/2002) na Câmara dos Deputados, uma série de medidas que pretende flexibilizar ainda mais a legislação sobre agrotóxicos, facilitando, por exemplo, o registro de substâncias cancerígenas. O  PL é a junção de várias propostas apresentadas por uma comissão especial, composta majoritariamente por parlamentares financiados pelo agronegócio. Entidades científicas e organizações da sociedade civil convocam a população para uma mobilização massiva contra a aprovação do projeto. 

“Nós temos um governo federal e um legislativo que não têm nenhuma preocupação com a saúde e o meio ambiente, desmontando e perseguindo ambientalistas, lideranças de povos e comunidades tradicionais e até mesmo os órgãos de fiscalização. Tudo isso somado ao PL do veneno será um desastre sem precedentes na nossa história”, alerta Karen Friedrich, integrante do Grupo Temático Saúde e Meio Ambiente da Abrasco e toxicologista da Fiocruz. 

Riscos para a saúde da população brasileira: produtos causam câncer e mutação genética 

O PL surgiu em 2002, protocolado no Senado por Blairo Maggi, político do Mato Grosso, e, posteriormente, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do governo Michel Temer, de 2016 a 2019. Ao longo dos anos de discussão no Congresso Nacional, a proposta ficou ainda mais nociva – sobretudo quando combinada ao atual contexto político: o governo Bolsonaro  promoveu um aumento recorde da liberação de registros de venenos – só em 2021, foram 641 novos produtos liberados. 

Uma das mais graves consequências, caso aprovado, será a substituição da Lei  n.º 7.802 de 1989, que define claramente a proibição para agrotóxicos associados ao câncer, mutação no material genético, malformações fetais, alterações hormonais e reprodutivas. O Pacote do Veneno pretende revogar este artigo, propondo substituí-lo pelo conceito de “risco inaceitável” .

Em vez da proibição absoluta das substâncias nocivas, há a relativização do que é considerado “aceitável”. Segundo o Dossiê Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida, publicado por Abrasco, ABA e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos, assume-se que “o conceito de aceitabilidade passa por avaliação estatística, onde existirá algum número de crianças com malformações ou de famílias com óbitos que deve ser considerado ‘irrelevante’, e, portanto, ‘aceitável’ ”. 

“ Outros países têm caminhado para ter legislações mais protetivas, mas aqui no Brasil, as grandes fabricantes de agrotóxicos encontraram o cenário ideal para descartar produtos tóxicos no nosso ambiente e na nossa mesa”, pontua Karen Friedrich.

O Pacote do Veneno pretende, ainda, alterar o termo “agrotóxico” para “pesticida”, suavizando, no imaginário social, o potencial tóxico das substâncias.  Outra medida relevante é transformar o  Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento no principal órgão responsável pelo registro dos agrotóxicos. Atualmente, o registro passa pelo IBAMA, ANVISA e MAPA. Na nova configuração, IBAMA e ANVISA poderão apenas avaliar ou homologar avaliações, perdendo poder de regulamentação. Outra proposta é estabelecer o registro eterno de agrotóxicos no Brasil – ou seja, uma vez que químicos forem liberados, não poderão ser suspensos, ainda que se comprove que são altamente danosos.

Agronegócio e pandemia de Covid-19

O documento “Agronegócio e pandemia no Brasil: uma sindemia está agravando a pandemia de Covid-19?”, lançado em 27 de maio pelo GT Saúde e Ambiente da Abrasco, em parceria com a  International Pollutants Elimination Network (IPEN) ,  sinaliza que além da agroindústria aumentar as chances de novas zoonoses – com destruição de habitats naturais -, também deixa as pessoas mais vulneráveis a doenças do tipo, tais como  a Covid-19.  Isto é porque o uso de agrotóxicos nos alimentos afeta o sistema imunológico, enquanto o consumo de ultraprocessados intensifica doenças e agravos não transmissíveis.

No momento em que o Brasil apresenta mais de 630 mil mortes – consequências do novo coronavírus – é necessário repensar o modelo do agronegócio e o uso de agrotóxicos.  

Agroecologia e redução de agrotóxicos: alternativas para salvar vidas 

As entidades científicas e organizações da sociedade civil, além de repudiar o Pacote de Venenos, indicam alternativas, como a implementação e execução da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA). É necessário investimento na promoção de modelo de produção agrícola que atenda às necessidades de produção alimentar em quantidade, qualidade e diversidade, e ainda promovam a saúde coletiva e a conservação do meio ambiente. 

Ao contrário do PL do agronegócio, a PNARA propõe, por exemplo, o fim de subsídios e de benefícios tributários para a utilização de agrotóxicos (estudo da Abrasco aponta que Estado brasileiro perde mais de 10 bilhões de reais por ano, em subsídios às empresas que comercializam e produzem agrotóxicos); avaliação periódica de agrotóxicos ao menos a cada 10 anos; e incentivo às compras governamentais de alimentos oriundos de sistemas de produção sem agrotóxico, de base orgânica ou agroecológica. 

Em 2021, a Abrasco, a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos revisitaram o “Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da vida”, uma análise das 25 Notas Técnicas públicas contrárias ao Pacote do Veneno – publicadas por instituições científicas, entidades de representação do SUS, órgãos do poder Judiciário, Controle Social e organizações da Sociedade Civil – e da única nota favorável, publicada pela EMBRAPA.  O documento é público e serve de subsídio técnico também para a defesa da PNARA. Clique para acessar o Dossiê. 

Associe-se à ABRASCO

Ser um associado (a) Abrasco, ou Abrasquiano(a), é apoiar a Saúde Coletiva como área de conhecimento, mas também compartilhar dos princípios da saúde como processo social, da participação como radicalização democrática e da ampliação dos direitos dos cidadãos. São esses princípios da Saúde Coletiva que também inspiram a Reforma Sanitária e o Sistema Único de Saúde, o SUS.

Pular para o conteúdo