A Câmara dos deputados está pautando com urgência o PL 1904, projeto de lei que pretende restringir ainda mais o aborto legal no Brasil. O projeto quer equiparar o aborto após a 22ª semana de gestação, mesmo nos casos em que é legalizado, como em estupro ou de gravidez de risco, ao crime de homicídio simples. Se aprovado, a pena máxima aumentaria de 10 para 20 anos a pena máxima para quem realizar o procedimento.
Além disso, o texto fixa em 22 semanas de gestação o prazo máximo para abortos legais. Hoje em dia a lei permite o aborto nos casos de estupro; de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). Atualmente, não há no Código Penal um prazo máximo para o aborto legal. Outro ponto previsto no projeto é que médicos que realizarem o procedimento após 22 semanas poderão responder criminalmente.
O PL 1904 tem autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), e conta com a assinatura de 32 parlamentares. Caso o pedido de urgência seja aprovado, o texto pode ser apreciado no Plenário a qualquer momento, sem necessidade de passar pelas comissões da casa, o que agiliza a tramitação da medida.
De acordo com o código penal, em casos de realização de aborto não previsto em lei, estão previstas penas que variam de um aos três anos, quando provocado pela gestante ou com seu consentimento, e de três a dez anos, quando feito sem o consentimento da gestante.
Projeto é um grande retrocesso
A Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu documento “Abortion Care Guideline” (Diretrizes de Atenção ao Aborto), aponta que os limites gestacionais não têm base científica e estão ligados ao aumento da mortalidade materna e a maus resultados de saúde. O documento afirma que “embora os métodos de aborto possam variar conforme a idade gestacional, a gravidez pode ser interrompida com segurança independentemente da idade gestacional”. No Brasil, o aborto em casos de gravidez decorrente de violência sexual ou que apresente riscos à gestante, é previsto desde 1940.
A pesquisadora e integrante do GT Bioética da Abrasco, Debora Diniz relembra que hoje, a questão do aborto e dos direitos sexuais e reprodutivos é um nicho de operação da extrema direita. “Diferente do passado recente, até uns 30 anos atrás, a gente poderia estar discutindo convicções, questões relacionadas a uma ética privada das pessoas. Hoje é um nicho de operação e movimentação de um ecossistema de ódio. E aí se ignora o impacto de saúde pública, se ignora que estamos falando de meninas e mulheres que sofrem violência.”, reflete.
Dados do Anuário da Segurança Pública de 2022 mostram que, no Brasil, 60% das vítimas de estupro eram meninas de até 13 anos. Quando falamos em aborto legal e seguro, estamos falando de crianças e adolescentes vítimas de violência e que se veêm forçadas a uma gravidez.
Caso seja aprovado, o projeto propõe que brasileiras com direito ao aborto legal e previsto em Lei e que já sofrem com dificuldades para realizar o procedimento poderão ser criminalizadas. Para Ana Couto, integrante do GT Gênero e Saúde da Abrasco e Diretora-executiva do Centro Brasileiro De Estudos De Saúde (Cebes), limitar o acesso a um direito previsto, desde 1940, é um grande retrocesso. “A autonomia médica precisa estar orientada pela ciência. “Impedir o acesso ao procedimento e forçar essas mulheres a uma gestação fruto de uma violência é outro ato violento. O acesso ao aborto legal é garantido a muitos e muitos anos, mesmo que o acesso a ele seja ainda muito limitado.”, afirma a pesquisadora.