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Capital estrangeiro na Saúde é tema de entrevista com presidente da Abrasco

Vilma Reis com informações de Maíra Mathias

A aprovação da entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde coloca o governo em rota de colisão com a militância do SUS, que critica os argumentos oficiais. Foi sobre este assunto que a jornalista Maíra Mathias da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fundação Oswaldo Cruz) conversou com Luis Eugenio Souza, o material foi publicado sob o título ‘Interesses empresariais fecham o cerco ao SUS’.

Abaixo, confira trechos da entrevista. A íntegra da reportagem está neste link.

A ressaca já tinha sido grande quando, no dia 19 de janeiro, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei 13.079, que modifica a Lei Orgânica da Saúde e contraria a Constituição de 1988 para permitir a entrada do capital estrangeiro na assistência à saúde. Contudo, foi apenas nos dias seguintes à sanção que a atuação do governo federal no episódio foi ficando clara.Atropelo do controle social e argumentos que não convencem: tudo isso dá a dimensão dos interesses por trás da medida que levou o Executivo a entrar em rota de colisão com as entidades da Reforma Sanitária e a militância do SUS. Nessa matéria, tentamos recuperar parte do processo para contrapor os argumentos oficiais às críticas, abordando ainda as perspectivas de ação legal e luta política que se abrem em ano de 15a Conferência Nacional de Saúde.

Maior instância de controle social no SUS, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi o primeiro a advertir que a abertura do capital estrangeiro significaria um risco à soberania sanitária brasileira, ao Sistema Único e à própria Constituição. Em nota publicada em 18 de dezembro, a mesa diretora do CNS frisou que o parlamento tomou a decisão “ao apagar das luzes do ano legislativo e sem debate”. Foi justamente a primeira reunião do ano do CNS, no dia 27 de janeiro, a ocasião escolhida pelo ministro da Saúde para externar suas críticas às vozes críticas. Segundo Chioro, aqueles que se posicionaram contra a medida sofrem de um “antagonismo político inadequado”. Ainda segundo o ministro, lhes “falta capacidade de análise a fundo da matéria”.

Essa avaliação, contudo, não impediu que no dia 29 de janeiro o ministro se reunisse com as mesmas entidades que criticou na véspera, buscando retomar um canal de diálogo com o Movimento da Reforma Sanitária. Na reunião, Arthur Chioro voltou a expor os argumentos do governo, na tentativa de envolver as entidades na elaboração de um termo de referência para a criação de um grupo de trabalho para apoiar a pasta no tema da regulação. “Como a lei não prevê nenhuma regulação – e isso está muito claro – o ministro convidou as entidades para estudar mecanismos de regulação do setor privado. Mas é uma proposta que parte da admissão de que a lei já está aprovada. E nós confiamos que será declarada inconstitucional”, afirma Luis Eugenio Portela, presidente da Associação Brasileira da Saúde Coletiva (Abrasco).

Argumentos do ministro

As posições firmes do Governo Federal foram apresentados em relato divulgado pela Abrasco. Nele, a vice-presidente da entidade, Eli Iola Gurgel, destaca os argumentos apresentados por Arthur Chioro na reunião do dia 29 de janeiro: “Ele afirmou que a proposta de inserção das medidas na MP 656 foi de iniciativa da ‘base do governo’. Analisa que passados 27 anos da criação do SUS o mundo mudou muito… Ao longo desse período ocorreu um processo ‘lento e gradual’ de abertura para o capital estrangeiro”. Ainda de acordo com o relato, o titular da Saúde teria dito que a Constituição de 1988 prevê um sistema de saúde público, mas não estatal, e que, hoje, não seria possível ignorar o fato de 52 milhões de pessoas terem planos de saúde.

Ainda segundo o relato, o ministro afirmou que ao longo do processo de expansão do mercado privado, houve escapes que permitiram a entrada do capital estrangeiro, em referência à lei 9.656 sancionada em 1998 no governo Fernando Henrique Cardoso. Sem a lei, a Amil não poderia ter sido vendida por R$ 10 bilhões para a United Health, nem a Intermédica para o grupo de investimentos Bain Capital por quase R$ 2 bilhões. De acordo com o ministro, o caso explicita a assimetria criada no mercado prestador privado, uma vez que o capital estrangeiro demonstrou mais interesse em comprar operadoras de planos de saúde que tinham rede assistencial própria, ou mesmo comprou operadoras para depois adquirir serviços de assistência à saúde. Por fim, Eli Iola destaca que Chioro “admitiu que já estava acontecendo, no governo, uma movimentação para aprimoramento da regulação do mercado privado (o BNDES, por exemplo, abriu linha de empréstimo/investimento para filantrópicos), mas usou a expressão ‘atropelados’ para se referir à condução da alteração na medida provisória 656”.

O presidente da Abrasco também rebate outros pontos da argumentação do ministro, como a justificativa de que o Executivo teria sido atropelado por sua base parlamentar. “Esse projeto entrou sorrateiramente no meio de uma medida provisória mas não foi um raio em céu azul. Ele já havia transitado por diversas áreas de governo com pareceres que permitiram que fosse adiante. Então, não foi uma surpresa. Pelo menos para o governo”. A afirmação de que, finalmente, o Estado atuará na regulação do capital estrangeiro segundo Portela é “falaciosa”, pois não dá a real dimensão dos problemas que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) enfrenta junto às empresas nacionais. “Temos assistido uma regulação extremamente falha do ponto de vista dos interesses do SUS. Nem mesmo o ressarcimento está sendo feito plenamente. Sem falar da porta giratória. Os diretores da ANS saem para assumir cargos nas operadoras e vice-versa. Ou seja, o órgão regulador está dirigido por membros do setor regulado. É uma situação de captura”, critica.

Antes e depois da sanção, notícias de negociações da compra de hospitais pipocaram na mídia comercial. No dia 23 de janeiro, a Folha de S. Paulo anunciou que a Rede D´Or, maior empresa de hospitais do país (com 27 unidades), estava em negociações com o fundo estadunidense Carlyle. Contudo, a avaliação geral é de que os investidores estrangeiros não devem entrar no país para construir hospitais e, sim, comprar os já existentes. Tampouco o capital estrangeiro vem para suprir lacunas assistenciais da rede privada, como pediatria, mas para investir em filões que dão lucro, como neurocirurgia, ortopedia, cardiologia e oncologia.

SUS: mais longe

Segundo o presidente da Abrasco, a medida reforça um processo de segmentação do sistema de saúde e de abdução do sentido constitucional do direito à saúde. “Há uma ação muito bem articulada dos atores interessados na mercantilização da saúde. Esses interesses são bem representados no parlamento, inclusive por meio do financiamento de campanhas de vários deputados, senadores, e também de candidatos ao Executivo. Objetivamente, a situação é muito difícil do ponto de vista da manutenção de um Sistema Único de Saúde”, avalia.

Luis Eugenio observa que, no discurso, nenhum desses atores se posiciona claramente contra o Sistema Único. “O SUS enquanto complemento, sistema de resseguro, que paga os procedimentos de alto custo, que garante uma atenção básica razoável para as pessoas que não podem pagar planos; esse SUS é muito interessante. Agora, o SUS enquanto sistema único de igualdade, qualidade para todos, esse SUS está cada vez mais longe”, diz.

Batalha legal

Depois de serem atropeladas pelo Legislativo e Executivo, as entidades concentram esforços para barrar a lei no Judiciário. Por terem caráter científico, contudo, não podem recorrer diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). A estratégia adotada é oferecer assessoria técnica a partidos, sindicatos, confederações e outras entidades de classe que queiram apoiar a luta. A primeira parceira do movimento foi a Confederação Nacional dos Trabalhadores Liberais Universitários Regulamentados (CNTU) que encaminhou ao Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.239 no dia 13 de fevereiro. A ADI engloba dois pedidos. No curto-prazo, pede a suspensão liminar do artigo 142, impedindo a lei de entrar em vigor até que seja julgada pelos magistrados, que vão examinar se a lei fere ou não a Constituição. Julgamentos assim podem demorar até dez anos.

Nesse sentido, há um precedente importante aberto por um órgão do próprio Executivo. No dia 3 de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo divulgou trechos de parecer sigiloso da Advocacia Geral da União (AGU) sobre o tema. O documento foi encaminhado à Presidência da República no dia 15, portanto quatro dias antes da sanção e, segundo publicou o jornal, argumentava que “o dispositivo constitucional prevê, de fato, vedação expressa à participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País. A ressalva aos casos previstos em lei deve portanto ser entendida como alusão a casos excepcionais, que justifiquem objetivamente a abertura ao capital estrangeiro das ações e serviços de saúde previstos constitucionalmente”.

Luta política

Luis Eugenio aposta no fortalecimento dos vínculos da Reforma Sanitária com os movimentos sociais em ascensão na sociedade brasileira. “Estamos vivendo, desde 2013, um processo de acirramento das tensões sociais. De crescimento dos movimentos sociais. Nós tendemos a ter uma polarização, uma radicalização da luta política e a ideia do SUS enquanto sistema universal, igualitário e integral não vai morrer. É preciso dizer que os próprios movimentos sindicais que durante muito tempo pleitearam junto a seus empregadores planos privados de saúde já perceberam a armadilha em que caíram. Esses planos não têm garantido a assistência que eles imaginavam que teriam. E eles se engajaram, como o Movimento Saúde + 10 demonstrou, na defesa do SUS universal. Então, o que se coloca é o acirramento das disputas dentro da sociedade no âmbito do Congresso Nacional, no âmbito do poder Executivo mas, sobretudo, dentro dos movimentos sociais”.

 

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