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Carlos Monteiro: Estratégias da indústria de ultraprocessados colocam saúde em risco

“Determinantes comerciais de doenças” é o conceito que abarca as estratégias utilizadas pelo setor privado para promover produtos e comportamentos que são prejudiciais à saúde – como drogas legalizadas (álcool e tabaco, por exemplo) ou produtos comestíveis artificiais e insalubres (como refrigerantes e outras bebidas açucaradas, embutidos e biscoitos recheados). O Brasil possui políticas públicas para inibir o consumo de álcool e tabaco, mas não para reduzir o consumo de ultraprocessados. É o que explicou Carlos Monteiro (NUPENS/USP), em Conferência proferida na noite de 25 de novembro, no EPI 2021.

O termo ultraprocessados foi criado no Brasil, pelo grupo de pesquisas que Monteiro coordena, e descreve comidas e bebidas que são muito distantes dos alimentos in natura: “Os ultraprocessados são ruins pelo que têm e pelo que não têm. Ao mesmo tempo que são ricos em aditivos químicos, açúcar, substâncias estranhas ao nosso organismo, que mudam o microbioma intestinal, possuem composição deificiente em nutrientes, e são necessariamente desbalanceados. Por isso são tão adoecedores”. 

O primeiro inquérito para medir o consumo de ultraprocessados foi, naturalmente, realizado no Brasil, em 2009, indicando que 21,5% das calorias ingeridas pelos habitantes do país vinham deste tipo de alimentos. Atualmente existem pesquisas semelhantes em diferentes regiões do mundo, mostrando um crescimento do consumo desses produtos em mais de 80 países. Também há uma variedade de estudos que evidenciam a associação entre  a ingestão de ultraprocessados e o desenvolvimento de obesidade e outras doenças – diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, entre outras. 

O que explica a intensidade de fabricação e distribuição destes produtos, comprovadamente nocivos à saúde humana, é o lucro: “A produção dos ultraprocessados é controlada por 10 grandes corporações transnacionais, que vendem, por dia, mais de 1 bilhão de dólares. Essas empresas criam demanda e promovem seus produtos”, afirmou Monteiro. As estratégias – determinantes comerciais de doenças –  envolvem práticas de mercado, como publicidade, e práticas políticas – lobby, acordos com governos, contribuições para os reguladores. 

O consumo, no mundo, é variável – alguns países, como Estados Unidos e Inglaterra, principais consumidores de ultraprocessados no mundo,  já são mercados saturados. Por isso, as empresas têm como alvo países onde o consumo ainda é mais baixo, e que há margem para crescimento nas vendas dos produtos – como o Brasil. “As estratégias são monopólio e globalização de compra de insumos e produção em vários países, como quando a Nestlé comprou a Garoto. Também a produção de alimentos para todas as classes sociais – como substitutos de hambúrguer, mais caros, ou refrigerantes, que são mais baratos, e marketing digital, como prática de mercado”, pontuou Monteiro. 

No âmbito da política, o pesquisador pontuou ainda como ações para a expansão deste mercado a captura de representantes da sociedade – parlamentares e executivos – e  a cooptação da ciência, já que muitos departamentos de nutrição e ciências de alimentos têm uma agenda de pesquisa determinada pela indústria, que financia esses grupos. “Felizmente, no Brasil, temos vários grupos, em universidades públicas, que são independentes, e denunciam esse absurdo”, acrescentou. 

Como exemplo de ações de mercado, Monteiro cita a campanha “Nestlé até você a Bordo”, um barco que percorria o interior da Amazônia vendendo os produtos para os povos ribeirinhos e da floresta, que têm menos poder aquisitivo e que, culturalmente, possuem hábitos alimentares menos pautados pela indústria. A matéria “Como a Grande Indústria Viciou o Brasil em Junk Food”, produzida pelo New York Times, em 2017, registrou essa ação. 

Um caso da atuação política da indústria de alimentos no Brasil é a pressão contra a rotulagem nutricional adequada. Nos últimos anos, a sociedade civil travou uma batalha para tentar aprovar um modelo de rótulos por advertência, a fim de orientar a população quando um alimento tem muito açúcar, muito sódio etc. A indústria, no entanto, pleiteava um modelo mais brando – que não afetaria o marketing dos produtos. A proposta aprovada, que entra em vigor em 2022, foi a lupa – não é a ideal, mas é considerada uma vitória da ciência e dos interesses de saúde pública. 

Modelo de rotulagem lupa, será implementado em 2022

É o que é necessário para enfrentar a onda de ultraprocessados e proteger a saúde pública? Segundo Carlos Monteiro, é preciso criar guias alimentares que promovam comidas de verdade, como o Guia Alimentar para a População Brasileira, incentivo estatal para a produção e distribuição de alimentos saudáveis – como o estímulo à agricultura familiar, agroecológica e orgânica.

“Como disse Cesar Victora, a Epidemiologia brasileira já nasceu engajada com a sociedade . Temos orgulho de fazer partes dessa área, não queremos só entender as questões, queremos soluções, eliminar os problemas de saúde”, finalizou Carlos Monteiro.  Assim como Victora, ele é um dos pesquisadores mais citados no mundo, um orgulho para a ciência brasileira e para a Abrasco. 

A conferência seria coordenada por Rosalina Koifman, em nome de Sergio Koifamn, Presidente do 4º Congresso Brasileiro de Epidemiologia (Rio de Janeiro, 1988), mas, por problemas técnicos, foi apresentada por Antonio Boing, presidente do 10º Congresso Brasileiro de Epidemiologia (Florianópolis, 2017). Assista na íntegra:

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