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Carlos Monteiro: “Temos de ter uma mensagem clara sobre alimentação com a população”

Ao aceitar o desafio de propor uma nova abordagem para a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira, o professor Carlos Augusto Monteiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Saúde e Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (NUPENS/FSP/USP) tinha consciência de que estaria abrindo um importante diálogo com alguns setores da população e comprando brigas com outros. Do convite do Ministério da Saúde para compor a equipe técnica da nova publicação, iniciado em 2011 até a sua publicação, no final do ano passado, foram pelo menos três rodadas de debates dentro do segmento científico da Alimentação e Nutrição, além da leitura e consideração de mais de três mil colaborações no processo de Consulta Pública. “O brasileiro tem muita qualidade e capacidade de criticar. Recebemos críticas de todas as formas e de todos os lados, o que foi bom para entendermos a pluralidade de atores sociais que alcançaria a publicação”, brincou ele durante sua conferência no evento Conhecer e Comer: Caminhos para redescobrir a comida de verdade, realizado no último dia 24, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – veja a matéria sobre o evento aqui.

Valorizar as refeições ao invés dos lanches rápidos com produtos comestíveis, orientar o consumo a partir do grau de processamento dos alimentos, respeitar e valorizar pratos da cozinha tradicional, como a feijoada, e resgatar o papel da mesa coletiva como formadora de laços e benéfica à saúde, fez a publicação ganhar respeito de cientistas e pesquisadores internacionais, como Michael Pollan (autor de O Dilema Onívoro e Em Defesa da Comida) e Marion Nestle (autora de Food Politics e Eat, Drink, Vote), de jornalistas internacionais, como os do portal Vox, e nacionais, como Josimar Melo, crítico de gastronomia do jornal Folha de S. Paulo.

Após sua participação na conferência de abertura do evento, Monteiro falou com exclusividade para a Abrasco e expôs os próximos desafios da publicação, que conta com sua versão eletrônica, teve uma primeira tiragem de 60 mil exemplares já distribuídos para a rede básica de saúde de todo o país.

Abrasco: Quais serão os próximos passos para a disseminação dos conhecimentos do Guia Alimentar para a população brasileira?
Carlos Monteiro: Queremos formar multiplicadores do Guia. A sociedade civil organizada, os movimentos sociais, a academia e muitos estudantes estão sabendo e se apropriando da publicação. No entanto, a maioria da população precisa contar com estratégias para se apropriar dos conteúdos. Temos de pensar como dialogar com os jovens, os idosos, a escola e os espaços sociais de alimentação. A ideia é fazer oficinas com alguns parceiros, como o SESC, em diferentes instâncias e com metodologias eficazes que façam o Guia chegar a esses segmentos. O sonho é fazer essas mensagens tornarem-se normas sociais, como aconteceu com a amamentação, que contou com grandes campanhas, mas só voltou a ser uma prática abraçada pela população após um grande trabalho direto com as gestantes. Queremos o mesmo com a alimentação saudável.

Abrasco: Como os diferentes corpos sociais profissionais relacionados ao universo da alimentação, nutrição e da saúde estão entendendo a proposta do Guia Alimentar?
Carlos Monteiro: Diria que essa batalha é ganha dentro da Saúde Coletiva, campo responsável por esse olhar dentro da nutrição. Na medicina começa essa discussão, mas surpreendeu o silêncio de setores que historicamente posicionaram contra a publicação. O fato de ter tido receptividade na imprensa nacional e internacional torna difíceis posições intermediárias ou contrárias.  Já na Engenharia dos Alimentos é uma disputa quase impossível.

Abrasco: Por que esse setor é tão reativo?
Carlos Monteiro: É um campo do conhecimento voltado a formar profissionais exclusivamente para os processos industriais na área da alimentação. É claro que a Engenharia e demais ciências tecnológicas dos alimentos poderiam contribuir e muito com investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação para desenvolver formas mínimas de processamento. Mas isso não dá lucro. O ultraprocessamento é uma grande sacada das indústrias, pois, a partir de alimentos baratos extraem-se composições a quais são adicionadas um monte de aditivos, transformando os alimentos e vendendo-os a altos preços e induzindo o consumo, já que são essas mesmas empresas que têm capacidade de investir em marketing e comércio. No entanto, frisamos no Guia que esses produtos são feitos para substituir os alimentos. Por isso usamos o termo evitar, pois temos de ter uma mensagem clara sobre alimentação com a população.

Abrasco: Qual a importância da repercussão internacional do Guia?
Carlos Monteiro: É por demais importante, pois dá respaldo ao projeto e sinaliza ao mundo que os demais países são capazes de adotar tais posturas. O Michael Pollan e a Marion Nestle, dois destacados pesquisadores norte-americanos, são entusiastas da publicação.

Abrasco: E o cenário das publicações e evidências que compõem o Guia dentro da ciência brasileira? Serão publicados novos estudos?
Carlos Monteiro: Já estão em submissão na Revista de Saúde Publica dois artigos que analisam a relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e a qualidade da dieta no Brasil. Esses artigos demonstram que as recomendações do Guia têm um grande potencial para prevenir tanto as doenças crônicas relacionadas à alimentação quanto às deficiências de micronutrientes. Outros artigos estão em preparação.

Abrasco: Qual foi o papel da Abrasco para a viabilidade do Guia?
Carlos Monteiro: O apoio da Abrasco e de seu presidente, o professor Luis Eugenio, no Conselho Nacional de Saúde, foi fundamental no momento decisivo da publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira. A posição apontada pela Associação em destacar a Saúde Pública em primeiro lugar nos debates ressaltou nosso objetivo com a publicação.

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