Senhores(as) Secretários(as) de Saúde e Coordenadores(as) de Saúde Mental,
O momento atual é de extrema gravidade no Brasil e no mundo. Em decorrência da pandemia de Covid-19, passamos por uma crise sócio-sanitária e humanitária mundial sem precedentes. Os índices alarmantes de adoecimento e morte têm produzido perdas irreparáveis e um nível de sofrimento psicossocial profundo e de longa duração, traduzido em consequências sociais, econômicas, políticas e culturais de grande monta. Dezenas de publicações atuais apontam para a grave crise psicossocial que já se manifesta nas diversas realidades sociais, particularmente nos segmentos populacionais que se mostraram mais vulneráveis aos efeitos do novo coronavírus: populações das periferias urbanas, trabalhadores e trabalhadoras da linha de frente ao combate da pandemia, as populações negras, os povos indígenas, as pessoas em situação de rua, as pessoas idosas, etc.
Recentemente, fomos surpreendidos com o anúncio da revogação de inúmeras portarias da Política Nacional de Saúde Mental, representando o risco de desregulação e desfinanciamento do sistema de atenção à saúde mental da população. Dessa forma, chamamos atenção para tamanha desassistência à saúde de nosso povo e da redução da oferta de atenção e cuidado à população neste momento em que há o surgimento, aumento
e agravamento do sofrimento psíquico.
A Rede de Atenção Psicossocial Brasileira (RAPS) resgatou a cidadania de milhares de brasileiros e brasileiras que tiveram seus direitos violados por anos em instituições totais, como os manicômios. São inúmeros os impactos positivos da RAPS, por exemplo: tem reduzido as taxas de internação e de suicídio das pessoas; abrigado, nas suas residências terapêuticas (SRT) pessoas que haviam perdido seus vínculos afetivos por longos anos de internação; ampliado a autonomia e resgatado a sociabilidade das pessoas em sofrimento; diminuído a sobrecarga familiar; contribuído no empoderamento e recuperação de pessoas com graves problemas de sofrimento psíquico e em decorrência do uso problemático de álcool e outras drogas; e também promovido cuidado em liberdade de crianças e adolescentes, preservando o seu espaço de desenvolvimento e
aprendizagem.
Considerando o exposto até aqui, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) solicita que não seja reproduzida a revogação das portarias da Política Nacional de Saúde Mental caso aconteça, e que se comprometam, de forma irrestrita e intransigente com:
● Fortalecimento de uma RAPS comunitária, diversificada, aberta e territorializada;
● Envolvimento dos diversos entes do Controle Social na elaboração das políticas, incluindo possíveis reformulações – por exemplo, a Comissão Intersetorial de Saúde Mental (CISM) do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o Colegiado de Coordenadores de Saúde Mental, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e os movimentos sociais organizados e os próprios usuários;
● Ampliação do orçamento para a saúde mental e sua aplicação nos serviços substitutivos da RAPS;
● Retomada e aprimoramento de processos de desinstitucionalização das pessoas em sofrimento psíquico;
● Fortalecimento das ações de matriciamento e apoio de profissionais especialistas em saúde mental na Atenção Primária em Saúde;
● Acompanhamento e avaliação do uso indiscriminado de psicofármacos nos serviços de saúde e seus efeitos sobre a saúde das pessoas que o utilizam;
A Abrasco convida os senhores e senhoras para que se juntem a nós não só na manutenção da atual Política Nacional de Saúde Mental, reconhecidamente uma das mais amplas e exitosas no Brasil e no mundo, mas também a aperfeiçoar ainda mais as estratégias existentes na RAPS. Espera-se, com isso, evitar a desregulamentação e o desfinanciamento das ações de saúde mental nos municípios e nos estados, além de garantir a continuidade desta Política tão exitosa.
Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2020.
Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO